Hoje eu acordei com vontade de namorar o Paul McCartney.

[Daniela Mendes, Senhorita Moustache]

Dear Paul

Hoje eu acordei com uma vontade imensa de namorar você. Eu sei que isso vai parecer coisa de uma simples fã querendo ser promovida a groupie. Talvez você fique inseguro pensando que não é amor nem atração verdadeira, apenas fetiche ou mais uma aventureira querendo sua imensa fortuna, mas juro que não é nada disso. Nem é porque você seja a última bolacha do pacote de Liverpool… Sim, porque o Ringo novinho até que rolava, mas agora… hohohohoho. E ainda assim você não é a ultima bolacha recheada do pacote. O Clapton está aí, inteirão, eu poderia escrever esta carta para ele ou para o Neil Young que ainda mantém aquele charme hippie sujo com cheiro de uísque… ou para o David Gilmour que é muito mais gato que você e ficou ainda mais gato quando velho. Eu até acho que combino mais com o Bob Dylan, mas… Hoje eu quero namorar você Paul McCartney.

Eu queria ter um dia perfeito com você. Não com aquela melancolia, aquele tom cinzento do Lou Reed, naquela canção linda. É de outro dia perfeito que pensei para hoje. Pensei num dia que começasse perfeito em uma madrugada perfeita. Sim, porque um dia começa a meia noite, né não? E se eu me contento com um dia, então quero um dia completo! Ok?

Queria que você fosse a encarnação do acaso chegando no barzinho de uns amigos meus com sua pose inglesa, sem saber muito bem o que beber, aqui, na minha cidadezinha, no interior de Minas Gerais. Provavelmente você iria querer um vinho, mas não vende lá. Aí desistiria do uísque por ser tão óbvio e arriscaria um drinque de vodka com essa exótica fruta chamada mexerica e uma raiz muito instigante chamada gengibre. Que para sua surpresa já conhecia, mas não imaginava que era uma raiz.

As pessoas estariam dançando uma música local ruim fazendo muita palhaçada sem ligar para sua presença… Por que imagina… Paul aqui? É algo que só está na minha imaginação e de outros tantos sonhadores por aí que se deixam impressionar por música pop e outros enlatados desse universo construído artificialmente para capturar corações descomprometidos com os rumos do universo. E aí, de repente, alguém percebendo que você era um velho inglês, com anonimato garantido pela pouca luz e pela lei da transformação dos gatos todos em pardos na noite, te tiraria para dançar. Porque é meio mania de brasileiro querer perverter, topicaliza estrangeiros. E é aí, quando você estivesse já devorado pela nossa alegria, lembraria, como um tapa na cara, da noite anterior na casa daquela boçal (sim, você achou aquela gente muito provinciana na casa da Paula Lavigne)… Mas o que Caetano quis dizer com “a mulata é a tal”, agora você entendeu e viu que não era só uma piada nonsense. Porque eu estaria dançando na sua frente… Não com um bundão, como reza o clichê do mercado turístico. Mas com um monte de dentes dando boas vindas.

Bom, eu não falo inglês, mas até que me viro. E eu acredito mesmo em mágica. E sei que na madrugada qualquer lugar se transforma numa Babel para almas afins. Você me revelaria então, quando saíssemos pra conversar melhor, sentados na beirada do meio fio, que era o Paul McCartney. E eu riria muito do seu senso de humor, a princípio, já encantada por você também ser fã dos Beatles e por achar isso, que acho lindo em você: o olhar de menino conservado meio a tantas rugas. Aí para me provar que você era realmente quem disse que era, pegaria o violão do menino de cachinhos morto de tão bêbado e cantaria: When I’m Sixty Four. Ainda assim, ninguém te reconheceria, com exceção de mim que ficaria sóbria de repente com a revelação.

Enquanto você me descrevesse toda aquela sensação da experiência daquela noite, eu não entenderia boa parte das suas frases pensando que tinha tanta coisa importante para te perguntar e não conseguia lembrar nenhuma naquele instante. Nem mesmo sobre o John Lennon, que na verdade é meu Beatle preferido. No entanto, eu seria esperta em te pegar só para mim antes que alguém descobrisse quem você era e te convidaria para um tour pelas ruas coloniais.

Conversaríamos sobre colonização e eu te explicaria a antropofagia, desconfiada se estaria realmente conseguindo me fazer entender. E nessa conversa toda, após um ataque de risos provocado por alguma coincidência linguística ou de pronuncia bizarra, você me roubaria um beijo… Eu acharia que você não batia o melhor beijo da minha vida, que nem lembro qual foi (sou do tipo que não carrega muita bagagem para não pesar instantes como estes), mas que tinha uma puta pegada. E bom, o dia estaria amanhecendo e iríamos até a minha casa… Um longo caminho, devo advertir, mas com paradas em lugares memoráveis para grandes amassos e também na padaria onde com certa ressalva você comeria pão de queijo e tomaria café num copinho de boteco. Então comentaria que a combinação era perfeita e eu te faria experimentar queijo minas com goiabada cascão, explicando que chamávamos aquilo de Romeu e Julieta, fazendo uma ligação meio maluca entre Minas Gerais, Shakespeare, Beatles e Londres… Maluquice que você não prestaria atenção e me interromperia perguntando se estaria no paraíso. Só um exemplo entre tantos cortejos cheios de clichês que só você sabe transformar em sutilezas, querido besouro.

Oh, Dear Paul… Enfim chegaríamos em casa. E você comentaria sincero que é como se já estivesse estado ali (pelo menos eu não entenderia isso como mais um cortejo, porque preciso me deixar seduzir, neste momento, irracionalmente). Então inventaríamos uma transa pra lá de gostosa escutando As Bachianas de Villa Lobos. Depois, eu te serviria um chazinho de capim cidreira e lembraria de perguntar sobre a Yoko Ono e tals. Você falaria que ela é uma pessoa incrível e que tem grande admiração por ela. Eu então estaria olhando bem dentro dos seus olhos para atestar a sinceridade da sua fala… Você emendaria com um comentário sobre os boatos sobre uma possível homossexualidade entre você e John… Diria que não são verdadeiros, porém que transaria com ele fácil porque Lennon era uma alma fantástica e facilmente devorável. Fala isso lembrando sobre a antropofagia que eu falava e me sai com uma frase que parece feita para recomeçar “tudo” de novo.

E recomeça “tudo” de novo pelo menos mais umas três vezes com pequenas pausas de cochilos e conchinhas (impressionante! Imagino ser a dieta vegetariana ou o quanto você deva investir em medicina para ter um pique destes nessa idade).

Lá pelas 2h da tarde sairíamos de mãos dadas para curtir o que resta do dia. Você vestiria um moletom velho meu (eu costumo ter uns assim, com um numero a mais), uma camiseta do David Bowie velha (eu costumo usar de camisolão) e havaianas. Resolvemos não almoçar e lanchamos qualquer coisa. Na verdade, te faço provar um monte de guloseimas locais na feirinha da praça da estação. E você, preocupado com a forma depois de tanto se empanturrar, tem a ideia de darmos um passeio de bicicleta. Alugamos em uma agencia de turismo e percorremos lugares tão bonitos que nem eu teria conhecido até aquele dia. Você pegaria um bicho de pé, ficaria enojado a princípio, mas depois acharia uma delícia a coceirinha.

No fim da tarde, curtiríamos o por do sol de um lugar lindo e você me ensinaria a meditar. Não era bem o que eu teria em mente, mas bem… Você é o Paul McCartney! E eu curto. Curto também o fato de que você só mencionaria “Linda” uma vez ao demonstrar seu pequeno conhecimento de português, como adjetivo referido a mim um substantivo que acontece ali na sua frente. Porque, afinal, você é um lord, Paul, e um lord também não fica carregando sua bagagem para todo lado que vai, certo? Passamos no supermercado, quase fechando, compramos legumes para fazer uma sopinha e tomar vinho.

Ao chegarmos em casa eu descascaria e picaria os legumes enquanto você tomaria um banho Eu já teria tomado uns dois a esta altura, mas você só resolve tomar um agora!!! Deve ser por isso que você demora tanto. Eu iria lá conferir se estaria tudo bem e você me puxaria para o box com você. Claro, recomeçaríamos “tudo” novamente e de novo, mas também esfregaríamos nossas costas e conversaríamos sobre coisas tão inusitadas que eu não saberia dizer de onde haveria de aparecer tanta cumplicidade entre nós. Talvez seja o poder da música, sei lá… Não pensaria nisso naquele instante, só estou tentando descrever a intensidade.

Você então faria questão de cozinhar e conversaríamos muito sobre a vida e a morte chegando a conclusão que só podemos vencer essa tragicidade pela beleza. Sim, dear Paul, seríamos muito clichês, mas temos certa limitação linguística também. E não importa. Voltamos para a minha cama depois do jantar e repetimos a combinação transa/cochilinho sem conseguir, até mesmo, terminar a primeira taça de vinho…

…até uma luz atravessar as venezianas da minha janela. Eu estaria surpresa, mas você não.

Silenciosamente, você vestiria seu paletó cinza e inglês e as calças, deixando a camisa de souvenir para mim. Então me daria um beijo seguido por um suspiro que percorreria todo abismo que começaria a se precipitar em meu peito… Algo assim nem alegria nem tristeza…

Então o som dos The Wings tocando junto a uma orquestra viria do lado de fora. Você abriria a janela e um submarino amarelo estaria te esperando flutuando no ar. E como estes musicais do início dos anos 1980’s (com luzes feito aquele musical da Olivia Newton John, Xanadu, lembra?), você cantaria Golden Slumbers (versão Abbey Road) para mim. Uma música longa o suficiente para uma despedida que tem um tom de psicodelia épica perfeita, entende Paul? Once there was a way, to get back homeward… Once there was a way, to get back home… Sleep pretty darling, do not cry and I will sing a lullaby… Não, dear Paul. Eu nem me lembraria de chorar.

Seria meia noite novamente… Uma ponte de luzes se faria entre o submarino amarelo e a minha janela para você atravessar. Você faria a travessia de costas, sem tirar os olhos de mim até não ser mais possível… Até ter que pular naquela entrada que parece um cano. O submarino amarelo se vai à velocidade da luz deixando um rastro de arco-íris no firmamento negro repleto de estrelas. Eu, então, permaneceria na minha cama deitada donde poderia assistir a isso tudo até um novo dia desmanchar todas as cores desse espetáculo com novas cores… Mas não sem antes colocar para repetir no meu sonzinho Lucy in the sky with diamonds até eu adormecer…

Leia também:

http://revistapittacos.org/2013/08/26/a-escolha-de-camille-o-desprezo/

Paul-MacCartneyy

paul-mccartney-753

Um comentário sobre “Hoje eu acordei com vontade de namorar o Paul McCartney.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s