Fernando Navarro
Certo dia, os dois filhos do rei de Tróia resolveram fazer uma visita de cortesia a um dos homens mais poderosos da época: Menelau, rei de Esparta. Chegando lá foram recebidos como reis (até aí tudo bem, pois eram príncipes). Tiveram uma recepção calorosa, com eventos, jantares, apresentações à sociedade espartana, e farras daquelas de perder a caixa-preta.
O problema é que Menelau era casado com Helena, uma baita loira que, além de um monumento de mulher, era da pá virada. Mas como era a mulher do rei, ninguém mexia com ela. Ninguém até chegarem os troianos, pois o mais novo, que se chamava Páris, a primeira coisa que fez dar aquela espiada de cima a baixo que deixou a moça nua até nos olhos. E o pior: foi prontamente correspondido. O destino armava ali uma encrenca de proporções homéricas.
Quando se cruzavam nos corredores do palácio, Páris que era um sujeito muito galante, abordava Helena com sutileza:
_ Mas que saúde, hein…
Ao ouvir isso, Helena, que percebia seu sistema endócrino em ebulição, retrucava animada:
_ Mas o que é isso? Eu sou mulher casada!
E Páris, com a elegância de sempre:
_ Casado não é capado, ora essa.
Ao que Helena, com um sorriso oculto na alma, replicava:
_ Olha o respeito!
E a coisa caminhou de tal maneira que logo estavam os dois botando a juripoca pra piar pelos recônditos do palácio. A lambança pegou fogo de um jeito, que os amantes traçaram planos e acabaram fazendo a maior presepada com Menelau. No dia da partida dos Troianos, Helena arrumou uma matula e se pirulitou junto com Páris. Claro que o tempo fechou quando o rei acordou e não viu a mulher.
Menelau, que era corno mas não era manso, ficou uma arara. Queria ir pro pau a todo custo. E reivindicou um antigo tratado grego que obrigava as cidades da Hélade a se ajudarem no caso de ofensa a qualquer uma delas. Os reis todos tentaram abafar o problema, “ih, mulher tem em todo canto”, “não vale a pena, era uma vadia”, entre outras ponderações igualmente argutas. Mas Menelau não queria conversa e aliou-se a seu irmão Agamenom, que nutria um desejo antigo de passar com o trator por cima de Tróia. As motivações de Agamenon eram de outra ordem. Seus ímpetos de devastar Tróia se deviam ao fato de que se tratava de uma cidade muito rica, que começava a incomodar com sua prosperidade, que proporcionaria um butim espetacular e também porque ele queria livrar-se daquela raça por uns bons séculos. As sacanagens de Helena e Páris eram um pretexto bem na medida para um sujeito com o caráter notoriamente duvidoso como ele posar de líder moral e, por conseqüência, pretender o cargo de comandante dos helenos, que acabou se tornando.
A invasão e a guerra dos gregos contra Tróia durou 11 anos. Tróia foi arrasada. Milhares de mortos dos dois lados. Mesmo vitoriosos, muitos gregos perderam o rumo e as viagens de volta para casa duraram mais 20 anos. Uma série de tragédias se abateu sobre vários de seus guerreiros. Agamenon, por exemplo, foi morto pela própria esposa e o amante dela, assim que pisou de volta em casa. Ulisses teve que promover uma chacina contra as dezenas de pretendentes de sua esposa, que lhe haviam invadido o lar. Isso sem falar da inacreditável história que ele contou para explicar porque levou dez anos voltando para casa.
No fim das contas a guerra e seus desdobramentos serviram de tema para Homero escrever os épicos Ilíada e Odisséia, dois dos grandes fundamentos da cultura ocidental. Ou seja, se não fosse a traição de Helena, esses fundamentos não existiriam. Sem eles não existiria a cultura grega antiga. Sem a cultura grega, o que seria do Império Romano? Sem Império Romano não haveria cristianismo. Sem cristianismo não haveria Idade Média, Igreja, Absolutismo, Iluminismo nem a Declaração Universal dos Direitos do Homem. E sem Direitos Humanos este texto dificilmente versaria sobre questões espirituais ou culturais. Seria mais provavelmente sobre a melhor estratégia de invadir e saquear o apartamento do vizinho e, em caso de sucesso, brindar o resultado da empreitada em seu crânio.
Assim, o que salva o crânio desse vizinho é, em última instância, o aplique com que Helena adornou a testa de Menelau. Não fosse o furor uterino da rainha de Esparta e o nosso vizinho estaria agora com as horas contadas.
Todo o universo que conhecemos como civilização ocidental, portanto, tem suas raízes num chifre. Procedendo desta maneira, ao sabor da natureza, Helena forjou as bases do mundo ocidental e elevou o chifre à condição de motor da história e de alicerce da cultura moderna.