6 Paginas e a Economia do Ócio Feminino

[Raquel Munayer]

Sempre me perguntei o que leva as mulheres a comprarem revistas femininas. É verdade que em minha pré-adolescência eu tenha me deixado levar pelas “preciosas” dicas, os “exatos” testes de personalidade e as previsões astrológicas do mês em revistinhas teen da época. Mas a insanidade não durou muito e lá pelos meus 14 anos, um sininho começou a tocar em meu ouvido. Era a minha mãe, que toda vez que me via com a revista, soltava o slogan “Capricho, a revista da garota que se acha um lixo”.

Acabo de folhear uma revista feminina de 211 páginas. Fui surpreendida com um carrossel de emoções e, em poucos minutos, já havia questionado a minha vida profissional, social, afetiva e principalmente a minha aparência. Eu passei um tempo analisando o seu formato, propósito e público-alvo, e resolvi anotar o que observei:

– 105 páginas são propaganda, cuja seleção dos produtos e o approach utilizado partem do princípio de que as mulheres são seres superficiais interessados apenas em seu look e status;

– 45 são catálogos de roupas que não caem bem na maioria dos seus leitores, vestidas por modelos que não existem na vida real (ao menos não como aparecem na revista);

– 27 são dicas sobre como melhorar a sua imagem como dietas, exercícios, cosméticos e procedimentos cirúrgicos, presumindo que as suas leitoras não são bonitas o suficiente;

– 18 são dicas de viagens que a maioria dos seus leitores não pode pagar;

– 11 são matérias curtas de autoajuda, mascaradas sob temas do ramo da psicologia, como comportamento e sexualidade, tratadas com banalidade assustadora;

– 6 são matérias informativas de conhecimentos gerais e atualidades.

É um processo engenhoso e eficiente: primeiro, lhe são apresentados produtos e situações que são inalcançáveis para você, fazendo com que você se sinta um lixo. Algumas páginas adiante, lhe serão anunciados as soluções para os seus problemas. O milk-shake que lhe ajudará a caber naquelas roupas em apenas duas semanas, a base que lhe deixará com aquela make cinematográfica, o crédito para financiar o carro dos sonhos. Tudo é feito para que você fique com aquela impressão de que a revista lhe ajuda a se sentir melhor, esquecendo-se rapidamente de que foi ela quem lhe colocou no chão em primeiro lugar.

Se a sua desculpa é que ao menos encontra algumas matérias informativas que lhe podem ser úteis, eu lhe pergunto: Suponhamos que aquelas seis páginas com matérias realmente interessantes sejam boas, bem escritas, cheias de conteúdo de valor (o que definitivamente não é o caso): valeu a pena ter perdido o seu tempo, o seu dinheiro e a sua autoestima para obter aquelas informações, que você poderia ter lido em outro lugar e que sequer tem relevância para a sua vida? Se o seu objetivo é aumentar o seu conhecimento, porque não compra revistas voltadas específicas para temas do seu interesse? Toda banca de jornal tem coleções de história, literatura, artes, economia, ciências, filosofia, psicologia, arquitetura, tecnologia, trabalhos manuais, idiomas, do-it-yourself, entre muitos outros, sem contar as publicações voltadas para a cultura alternativa que sofrem pela falta de verba para os seus interessantíssimos projetos, mas você insiste a cair nos encantos daquela capa colorida e recheada de truques baratos para chamar a sua atenção.

Há também outro aspecto mais obscuro desse hábito. Ao comprar revistas femininas, você apoia o comércio de produtos de luxo desnecessários, que são campeões em explorar países subdesenvolvidos e gerar lixo, e ainda ajuda a pagar o salário de pessoas que dedicam as suas vidas a fazerem lucro, mesmo que para isso tenham de transformar adolescentes em anoréxicas. Você fortalece uma indústria sanguessuga, que sobrevive da deturpação de valores e que vende a ideia de que todos os seus problemas podem ser resolvidos com dinheiro e de que você não é ninguém sem uma pele de neném, cabelos lisos e sedosos e um corpo escultural (leia-se: siliconado/lipoaspirado). Você gosta destas empresas, deste trabalho, destas pessoas? Não? Então porque os sustenta? Sabe, se não fosse por você, eles não existiriam.

Para quem não gosta das tais revistas e esqueceu as palavras-cruzadas na outra bolsa, qualquer sala de espera é uma tortura. Nós meninas não gostamos de ficar olhando para o nada, como os meninos fazem. Sofremos de hiperatividade mental e preferimos ler bula de remédio a não ler nada. Muitas acabam lendo aquelas porcarias porque é só o que tem, quando poderiam estar aprendendo alguma coisa super  legal. Os próprios profissionais que colocam estas revistas à disposição dos seus clientes partem do princípio de que as pessoas não tem interesse em coisas mais “complicadas” e optam pela superficialidade, argumento que eu rejeito fortemente. As pessoas são apenas preguiçosas e leem o que está ao seu alcance, o que é mais visível, o que está em evidência, deixando a construção de seus valores éticos e morais nas mãos de outras pessoas. Uma invasão sutil, que historicamente provou-se eficiente até para conseguir o apoio das massas para cometer genocídios.

Gostaria de colocar em questão o próprio termo “revista feminina” que usei durante a composição deste texto. Quando pensamos neste assunto, nos vêm imediatamente à cabeça as fofocas desinteressantes, sinopses de novelas deprimentes e dietas malucas das revistas femininas. Mas será que elas carregam sozinhas a responsabilidade de imbecilizar as massas? A resposta é NÃO. Revistas masculinas são tanto fúteis e manipuladoras quanto, apenas anunciam carros, relógios, bebidas e sexo, ao invés de antirrugas, batons, bolsas e sapatos. Já as revistas teen tem a sua própria ideologia, fortalecendo a rivalidade entre os sexos e se encarregando de diminuir a autoestima dos seus frágeis leitores desde cedo, para garantirem os futuros clientes. Tudo é feito para que a roda de hamster não pare de girar, gerando assim cada vez mais lucros para os seus idealizadores, que poderão cada vez mais investir em novas técnicas, novos formatos, em mais pessoal especializado, fortalecendo assim o seu próprio produto. Como diria a cantora Dezarie: “…it circles right back unto the rich man…” (Música: “Not One Penny”)

Se você concorda com tudo isso, mude a sua atitude. Converse com o seu jornaleiro e preste atenção ao que ele tem a lhe oferecer. Passeie pelas categorias, folheie as que você não conheça, faça perguntes, deixe que a curiosidade lhe guie. Eu tenho quase certeza de que há algo mais adequado para você, mas se não tiver, não compre nada. Agora me vou, mas deixo-lhes com uma pergunta: se quando você vai ao hospital não aceita ser atendido por um arquiteto, porque lê uma revista escrita por publicitários, ao invés de jornalistas?

Um comentário sobre “6 Paginas e a Economia do Ócio Feminino

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