Livro Ruim Merece Resenha – n°1

Platão, Diálogos, (em várias edições em inúmeras línguas)

 Carlos Roberto Vieira Filho

Antes de mais, este primeiro artigo exige um agradecimento público ao Mudesto, Eisenberg, e toda a equipe que edita a Revista Pittacos. Tenho a convicção que se inicia um fértil parceria e espero que minhas resenhas ilustrem ao menos um poucos as regiões mais cinzentas dos leitores da revista. Obrigado pela oportunidade. É com orgulho que ora chamo a Pittacos de minha casa.

O livro de hoje é péssimo. Ruins são todos textos do chamado período clássico da filosofia grega. Mas os sofistas, com sua atenção à retórica, ao menos eram divertidos e contribuíram para textos irônicos de alguma valia filosófica e literária. A tragédia e sua fixação com trilogias, ainda que um pouco anteriores a esse livro abominável, também tinha seus atrativos, principalmente pela capacidade de cultivar a imaginação mítica de milhões até os nossos dias com histórias apimentadas de homicídio e incesto. A leitura dos Diálogos de Platão, entretanto, é tempo perdido.

Abaixo, trago à atenção do grande público algumas tópicos que creio que engrandeceriam o debates das rodas de discussão acadêmica e os clubes de livro Brasil afora. Por sugestão dos meus editores, adotarei nas resenhas um estilo uniforme, mais formal portanto, que contribua à compreensão e discernimento dos pontos ainda que prejudique a boa retórica. Como redator, porém, sou bom soldado.

O livro é ruim. É ruim porque abusa da forma dialógica na narrativa, sempre descontextualizada e monótona. Um monólogo do personagem central aqui ou ali pontuaria o que, no fundo, é uma coletânea de pequenos aforismas que pouco nos servem nos dias de hoje. Recomendaria alguns livros de auto-ajuda, mas a Pittacos me contratou para resenhar livros ruins, não sugerir outros melhores.

O livro é ruim. É ruim porque a personagem central, chamado Sócrates, é um chato, sua personalidade é rasa e sem dinâmica ao longo dos capítulos e ademais ele não permite que outras personagens se manifestem livremente, sempre monopolizando a palavra.  Em clara deferência a ídolos esportivos e obras de outros autores contemporâneos como Aristophanes e Xenofonte, o Sócrates dos Diálogos de Platão tem por vícios ainda inúmeros maneirismos da língua grega (as traduções existentes fazem jus ao livro — são tão ruins quanto ele), dos quais vale destacar metáforas e a estéril tentativa de dar a este conjunto de maus hábitos da retórica e do raciocínio o nome de “maiêutica”. Como pode um livro com tantas edições e traduzido para tantas línguas ousar tantos hermetismos? É um desrespeito com o público leitor. Soube que um editor chinês pretende relançá-lo em edição pocket. Vislumbro o fiasco. Competir com o pequeno livro vermelho do Grande Líder? Impossível.

O livro é ruim. Muito ruim porque se trata de uma obra que consegue colocar personagens em diálogo com seu protagonista ao longo de mais de mil páginas (nunca vi edição menor), sem que nenhum deles seja uma mulher. Ora, não bastasse o escândalo que tamanha discriminação e insulto representa às mulheres de todo o mundo, fica o texto com esta substração ausente de uma sensibilidade mais feminina, que aporte à obra a possibilidade de uma leitura mediada pelas emoções. Sabrina e Julia são coleções da Readers Digest que o autor poderia ter consultado para conhecer melhor este lado da vida humana e como a literatura e uma personagem feminina toca o coração de todos seres sentimentais como eu.

Em suma, o livro é ruim. Muito ruim mesmo. Nenhum bonequinho pra ele. O livro é tão ruim que já conhecemos o fim da trama na terceira página do livro, quando o herói que polui quase todas as páginas do livro se suicida. Nem romance nem mistério. Apenas um velho solitário de morte anunciada. Em um épico. Escrito em diálogos. Herméticos e ególatras. Livro ruim que merece resenha.

 E quer saber o pior? Tem coisa pior. Muito pior. A vantagem de resenha de livro ruim é que nunca falta.

5 comentários sobre “Livro Ruim Merece Resenha – n°1

  1. se isso não for uma blague —

    que bosta. desconsiderando as asneiras que ele fala sobre o contexto histórico — o que já daria uma resenha sobre o raciocínio de neófito do resenhador (engraçado é que ele prometa “ilustrar as regiões mais cinzentas dos leitores da revista”, como se o erro de sócrates/platão, sobre o tesão da aufklärung, não se lhe aplicasse). desconsiderando as asneiras editoriais: as principais edições, traduzidas do grego, no brasil, têm por volta de 600-700, e, vide que o grego não é uma língua fácil, elas contornam metáforas muito bem (reclamar de metáforas na grécia e elogiar tragédias é um paradoxo), sem falar que, lição de celan, tradução é interpretação, tentar chegar ao outro, mas fala sempre uma parte do eu, e, lição de borges, sempre irônica, “o original nunca é fiel à tradução”. agora, o meritório “o livro é ruim” é sacanagem. porra, não é a filosofia que me agrada, mas desde a construção teórica (mesmo que contraditória em vários momentos), até as figuras literárias são, talvez, um dos maiores legados para o romance — até nietzsche, anti-sócrates, admitiu. duvido que ele conseguisse uma linha do que platão fez: o mundo o está lendo até hoje, tentando tirar mais algo dali, fonte inesgotável, e tentando refutar muita coisa. enquanto isso, garanto que no máximo algum orientando desse cara lerá sua tese de mestrado… para fechar, citando platão [república, 440a], num possível encontro do filósofo e do neófito (pode ser?): “ao mesmo tempo, queria vê-los e deles se afastava e, por certo tempo, relutava e velava o rosto, mas, por fim, vencido pelo desejo, arregalando os olhos, correu em direção aos cadáveres e disse: “eis aí, infelizes! saciai-vos com o belo espetáculo!”

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  2. Prezado Sr. Vilela,

    Obrigado pela sua contribuição. É sempre bom encontrar pessoas com pontos de vista distintos. Você leu as 600-700 páginas. Eu li quase 300 e é muito ruim.

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  3. Discriminaçao contra mulheres? – mulher nao “pensa” no mundo antigo …
    Irrelevancia de Platão na atualidade? – hahahahha coitado!
    Livro Ruim é de um anacronismo irritante.
    Eu nao sei o que é essa %$¨&*(&%$# de revista, mas eu torço pra ser uma piada.

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  4. Gostaria de expressar meu apoio ao Carlos Roberto Vieira Filho, nosso novo colaborador. Desde o tempo em que morava em Mitilene, sempre tive problemas com esses misóginos de Atenas. Eu faço questão de deixar claro que as mulheres de Mitilene pensavam. Eu poderia contar algumas estórias sobre o tal de Platão, e porque ele desprezava tanto as mulheres, mas são coisas que se prescreveram no passado. Hoje em dia pedofilia é crime.

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