[Emma Toska]
“Se ele fosse assim publicamente, não lhe daria nem bom dia”, braveja a vítima anônima, ao brindar as redes sociais com mais uma celebridade instantânea, dessa vez na pele de um vilão: “o tal Professor assediador”*. E está claro por que não daria. Em público o professor é um feminista e, como qualquer feminista, repudia visceralmente as tais “coisas”.
Mas, para a desgraça do feminismo, o terreno onde eles se cruzaram e entraram em mutuo convívio é a última das fortalezas indevassáveis na guerra dos gêneros: o do prazer sensual. Onde começa o sexo, termina o feminismo. Sexo é, sempre deverá ser, uma relação de poder e força; de luta desigual até à rendição cabal do animal saciado. É violência em seu estado puro. Está, pois, claro porque em um jogo tão perigoso, é mais seguro recrutar o parceiro das fileiras do feminismo do que em um fronte de batalha.
Paradoxalmente, a violência de gênero é uma das artérias de qualquer programa feminista, e não sem razão: contra um sexo que até bem recentemente era tido como frágil, o uso da força sempre foi um recurso ao alcance fácil da mão. Ocorre que no afã de se corrigir essa terrível distorção na dinâmica de poder entre os sexos, um fato foi sutilmente obscurecido: o de que mulheres de todos os tempos e têmperas também desenvolveram uma perversa e habilidosa associação com a força, de forma a mobilizá-la para seus próprios objetivos de poder e controle. Na falta de um nome apropriado para essa arte malévola de manipular o uso da força em benefício próprio ou em detrimento dos homens, a chamarei de violência feminina. Numa lógica estritamente feminista, toda violência contra a mulher deveria partir do campo oposto, se é para ser caracterizar como abuso de gênero. Mas este não é o caso. A violência feminina sempre foi enormemente apreciada pelas próprias mulheres. Trata-se de um tipo especifico de manipulação do poder ou força comumente associados a um ou mais dos seguintes elementos: sexo, prazer, acasalamento estável, preservação da prole, surto psicótico menstrual ou instinto de vingança.
Até a efetiva entrada em cena do feminismo, pode se dizer que a violência feminina – em sua forma inofensiva e na balança do equilíbrio espontâneo do poder entre os sexos (salvo no caso da psicose cíclica) – nunca se constituiu em uma séria ameaça à civilização. A verdade é que sempre foi largamente utilizada tanto por mulheres quanto por homens para fins de sedução e erotismo, alimentando um rosário de fantasias, taras, fetiches, parafilias e, no caso extremo, perversões sexuais. Com a intervenção do feminismo na arena da guerra dos sexos, esse estado de coisas foi completamente alterado e alguns casos de uso da violência feminina que se tornaram famosos recentemente podem ilustrar os efeitos desagregadores desta alteração.
Na campanha presidencial de 2014, um dos principais candidatos à Presidência da República brasileira foi execrado em praça pública devido à descoberta de um delito grave em seu passado: ele teria dado uma bordoada na namorada, em público. De nada valeram os argumentos defensivos de seus apoiadores, nem as evidências de que a vítima, agora aninhada sob o mesmo teto que seu agressor, não dera muita importância ao fato. A inquisição feminista foi implacável: culpado! Mas a dúvida que se instalou no imaginário popular (habituado e apreciador dos vícios privados) foi se trocar uns tapinhas fazia, afinal, parte da diversão privada do casal. Para a infelicidade dos envolvidos no caso, no entanto, tapas trocados em público é um tema que desliza para os domínios intransigentes do feminismo, que os pegou, por assim dizer, de calças na mão. Os supostos prazeres inconfessáveis do candidato acabaram por golpear fatalmente suas chances de dar uns sopapos na sua dama, quem sabe sob a faixa presidencial, algo bem mais excitante. Por outro lado, quem quer que tenha contado, aumentado ou inventado essa história, não deve ter dúvida que a dama em questão devia estar dando uma tacada de mestre. Um golpe decisivo aplicado contra si mesma, mirando seu amado. Afinal, o que é um tapinha, um dente quebrado, uma perna, no máximo uma costela quebrada, quando uma promissora aliança, chamegos e tapinhas ardentes acenam à frente? É preciso ter foco.
Foi esse fato que me lembrou de quando, anos atrás, minha amiga Dora contara de uma conhecida sua que apanhava horrivelmente do marido. Como parecia que o casamento não era recente, minha pergunta foi a mais inocente possível: por que ela não vai embora? Ao que Dora filosoficamente respondeu: “mulher faz qualquer coisa por rola.”
A frase de Dora deve ter ecoado no espaço infinito, porque anos depois, um certo belíssimo jovem suíço resolveu colocar em prática sua filosofia, e usar a força para conquistar mulheres, e mais que isso, decidiu explorar o inesgotável potencial da violência feminina como forma de ganhar dinheiro! Julien, o nosso anti-herói, não teria qualquer dificuldade em pegar mulher e ser serenamente feliz no amor. Mas ele resolve ir fundo na arte de seduzir e tem prometido ensinar a quem quiser e puder pagar, truques infalíveis para se conquistar as minas. As técnicas são arrojadas e eu diria até mesmo arriscadas: apertar o pescoço delas, dar-lhes chave de braço, arrancar beijo na marra, forçar a cabeça delas até o pênis, ofende-las e ignorar se disserem “não”. Julien também acrescenta uma pitada de racismo para incrementar a conquista e garantir que a empreitada seja um sucesso. Desnecessário dizer que a ortodoxia machista revisitada de Julien atiçou a fúria de feministas dos quatro cantos da terra. Mas enquanto o tribunal feminista não decide se ele merece forca ou fogueira, não constitui crime conjecturar sobre onde Julien e seus adeptos teriam testado esse método singular de conquista, que ele garante cem por cento eficaz. Em laboratório?
E nosso empreendedor suíço não está sozinho nesse multimilionário mercado da tecnologia da sedução de raiz. Com uma abordagem mais female friendly, e dedicada exclusivamente ao público feminino, os rapazes de Get the Guy não desapontam. Em uma palestra demonstração, ministrada em em 2013 em Londres (e que durou em torno de quatro horas ininterruptas), uma audiência de centenas mulheres assistiram boquiabertas a um inteiro tutorial sobre como conquistar os rapazes. Posso afiançar que nada de muito progressista no quesito direitos da mulher podia ser encontrado ali. Aliás, de acordo com o método dos protagonistas, o belo Matthew e seu atraente pai, mulher não precisa de mais poder; pelo menos não para o fim em pauta: agarrar homem. Precisam, ao contrário, de aprender sobre como dominar o medo instintivo que eles têm de abordá-las, e de conhecer os enigmas da cabeça masculina (a grande) que ninguém jamais suspeitou pudesse conter alguma coisa sobre assunto em questão.
Mas a versão mais famosa dos tutoriais de sedução ortodoxa foi criada por uma dupla de mulheres que se dispuseram a revirar o baú de suas bisavós atrás do mapa secreto da conquista amorosa. As criadoras do método, Ellen e Sherrie, também apostaram na superação do medo – nesse caso do pavor – que os homens têm das mulheres; mais precisamente: de suas investidas casadoiras. E o objetivo é simples e direto: meter-lhes uma aliança no dedo em no máximo alguns meses. A pérola chama-se The Rules e ensina tudo o que se deve saber e fazer para conquistar o homem dos sonhos. Mas o homem dos sonhos d’As Regras não é o leiteiro, o padeiro, o entregador de pizza, o pretendente pouco promissor, ou qualquer desocupado da internet. Pouca chance há de que seja alguém da nossa lista do Facebook. Trata-se da conquista do homem perfeito. Do príncipe. Verdadeiramente sedutor. Mas o caminho é árduo e doloroso. Há mais queda do que perseverança. Não se pode dizer, contudo, que não funcionam, já que a consagração do método veio de nada menos que o coração do Palácio de Buckingham. A bela e invejada Kate Middleton, que faturou um dos herdeiros mais cobiçados do planeta, confessou publicamente ser praticante do manual. Uma amarga derrota para o feminismo, diga-se, já que as 35 regras de ouro da conquista apresentadas em The Rules são de provocar náuseas no mais aguado dos feministas. Na verdade, elas se resumem em um único ponto de fé: manipular os homens através do sexo e da ativação de instintos primitivos para levá-los ao altar.
Esses casos todos me fazem pensar seriamente se não foi minha amiga Dora quem inventou o conceito de violência feminina. Examinemos novamente o caso desse Professor Sedutor, acusado de manipulação, abuso, envolvimento com menor e exibição não solicitada do pênis. A revelação de trechos de suas conversas intimas com as vítimas também despertou a ira das feministas e a ofensiva dos defensores dos direitos humanos, tal como no caso Julien. A favor dele ecoou a indignação dos defensores da liberdade sexual (nesse caso também feministas) e dos guardiões da inviolabilidade da privacidade individual (provavelmente também feministas). Em meio a essa Babel de feminismos, não escapa, todavia, que de todos os pecados em questão, o único realmente imperdoável é terem descarado em público seus vícios privados. Nos vemos obrigados a assistir a todo um jogo de violência erótica mutuamente consentido, e mutuamente prazeroso, jorrando pelas torneiras sempre receptivas das redes sociais, como um manancial de esgoto virtual.
O caso em si, porém, não demanda muita consideração já que virtude publica não rege sobre vícios privados (ao menos não deveria), nem regras morais são passíveis de serem aplicadas seletivamente, como tencionam as vítimas do abusador. Ou seja, é pelo menos licito desconfiar da sinceridade dos clamores pudicos de quem se espojou virtualmente com o agressor antes de se decidir pela imoralidade, ou mesmo criminalidade do ato. Além disso, é evidente que qualquer um que se envereda pela trilha dos relacionamentos virtuais, caminha por um campo minado e estritamente proibido para pessoas com histórico de dependência emocional ou vulnerabilidade psico-afetiva, como geralmente soa ser o caso de quem se entrega a relações que envolvem manipulação emocional ou violência sistemática. Um simples e-mail não respondido, uma mensagem ignorada, um estar online e não chamar no chat, uma curtida na página de um presumido rival, ou mesmo uma conversa demorada no chat online, pode envenenar a alma e despedaçar o coração de um amante virtual descompensado. Por tudo isso, esse é o meio ideal para ação de psicopatas, manipuladores, fetichistas e para a proliferação de tudo que envolva dor e tortura psíquica e emocional.
O problema é que se reconhecermos essas relações virtuais como genuínas, e sexo virtual como sexo adulto, a mais extravagante das preferencias não pode ser considerada perversão sem que haja a identificação real ou potencial de vítimas. Acontece que no caso considerado as vítimas são parceiros no vicio! Só há queixa no momento em que elas resolvem sacar da cartola regras morais incialmente externas ao jogo, e botar um fim punitivo à brincadeira. Conversas intimas são então transformadas em provas factuais. Mas quem garante que os relatos e pessoas mencionadas pelo parceiro sedutor não era apenas ficção erótica, fantasias que jamais extrapolaram a intimidade dos amantes? E fantasiar sexo não é crime, nem perversão. Sequer compromete a veracidade da militância feminista do rapaz. Alguém que fantasie incesto na hora do sexo quase certamente não o pratica ou aprova socialmente, apenas fica excitado com a ideia da transgressão. Aliás, pesquisas dão conta de que a fantasia de ser estuprada está entre as mais populares entre as mulheres, ao lado da fantasia de ser subjugada ou ser tratada como prostituta. No entanto, todas essas práticas são experiências aterradoras que ninguém, suponho, sonha experimentar no mundo real. Enfim, tudo considerado, crime nessa história terá sido trazer a público, para os domínios intransigentes do feminismo, aquilo que é dito e vivido no calor da intimidade ou no auge do tesão. Se essas forem todas as provas do delito, elas não servem sequer como falseamento das crenças professadas pelo rapaz.
O sedutor pode ser um crápula, um cafajeste contumaz. Mas se as mulheres não acreditassem que de crápula e louco todo homem tem um pouco, manuais como As Regras não floresceriam nos jardins de palácios reais. Foi na verdade a fissura pela química da violência que uniu vítima e agressor numa interação perversa, ainda que prazerosa e legitima. E na minha opinião, a fórmula mais simples de decidir o caso é aplicando o teorema de Dora: elas fizeram qualquer coisa por pica.
Mas antes de finalizar esse texto eu gostaria de voltar ao ponto que tentei chamar a atenção com esses outros casos: Violência feminina, quando manipulada pelas próprias mulheres com intenções outras que não as libidinosas, afetivas, ou casadoiras, tem um potencial de destruição avassalador, especialmente quando agindo sob o manto protecionista do feminismo. Quem nunca testemunhou com desamparada impotência os rigores de uma “Maria da Penha” injustamente aplicada ou a uma prisão imerecida graças a denúncias falsas e evidencias forjadas? Eu já! Muitas vezes. Testemunhei truques, mentiras, estratagemas cruéis para alimentar a química viciada da violência erótica e patrocinar uma reconciliação picante ou dar vasão a uma maquinação revanchista. E tudo isso apadrinhado pela miserabilidade de feminismos intransigentes e protecionistas. Em 2012, uma psicóloga da Vara de Família do Estado do Rio de Janeiro afirmou que cerca 80% das denúncias de abuso sexual contra criança e adolescentes na capital eram simplesmente falsas. Eram feitas por mães recém-separadas que não hesitavam em destruir a sanidade psíquica dos seus filhos, convencendo-os de que teriam sido sexualmente abusados pelo pai, para restringir o direito deste a visita. História semelhante é contada em 2013 na Delegacia da Mulher de Bauru, dando conta de que 50% das denúncias de estupro na DPM eram falsas; e inventadas por motivos fúteis, como justificar um sumiço com um namorado não autorizado pela família, ou desculpar uma gravidez indesejada fruto de traição. Falsas acusações de abuso que muitas vezes são feitas apenas para vingar traições de ex-marido, brigas nas famílias e até mesmo falta do pagamento de pensão alimentícia.
Enfim, gostem os feministas ou não, esses casos mostram que, pese o horror que deve ser alguém ser involuntariamente submetido à violência de gênero, a relação das mulheres com a força é complexa, ambígua e em grande medida são os homens as vítimas indefesas e impotentes. Como eles não podem se abrigar à sombra de um movimento machista protecionista, os que viram ou viveram tais abusos terão sempre a indignação corrosiva e ressentida dos que experimentam injustiças irremediáveis. Evidentemente, combustível para mais violência. Mas quem sabe dia desses alguém pensa nisso e lança a ideia de se criar também uma lei João da Penha? Os amigos e famílias de homens abusados agradecem.
* [N.E.] Ver http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/11/se-ele-fosse-assim-publicamente-nao-lhe.html
Leia também neste dossiê:
- http://revistapittacos.org/2014/12/02/nao-se-trata-de-uma-questao-judiciaria/
- http://revistapittacos.org/2014/12/02/a-gente-da-para-quem-quer/
Outros textos com informações relativos a polêmica:
Os relatos: http://butterytenaciousbird.tumblr.com/
A manifestação de Idelber Avelar: http://www.idelberavelar.com/archives/2014/12/idelber_avelar_responde.php
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/11/se-ele-fosse-assim-publicamente-nao-lhe.html
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/11/moralismo-e-seu-pau-de-oculos.html
http://mamehame.wordpress.com/2014/11/29/feminista-ate-a-pagina-2/
De todas as coisas que li sobre o “caso do professor”, essa foi a mais aguda e interessante!
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