Caso Chico: de onde veio, para onde vai

[Nathalia Duarte]

 

Me foi proposto o desafio de escrever sobre o caso do professor Chico, e de tentar desvendar porque, após no mínimo 15 anos de assédio, as estudantes finalmente se levantaram contra o absurdo que é um professor universitário que assedia, constrange, ridiculariza e humilha suas alunas e alunos, sem sofrer nenhuma consequência administrativa e legal por isto. A tarefa é difícil, mas exponho aqui algumas especulações.

Pra quem não está por dentro do caso, situo-o rapidamente: Chico, ou Francisco Coelho, é um professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais que há muitos anos profere impunemente “brincadeiras” machistas (que nós mulheres chamamos de assédio). As estudantes de Ciências Sociais reuniram relatos de alunas(os) sobre a conduta de tal professor dentro de sala de aula: dizeres como “gostaria de estar com você na horizontal”, ou “que fome!” olhando incisivamente para a bunda de uma aluna, apareceram nos relatos. Dizer para as alunas colocarem o celular na vagina pra ele ligar, parar propositalmente o que estava falando para “admirar” determinada aluna que entrava na sala, ou ainda descrever minuciosamente cenas de filme pornô japonês rindo e olhando para alunas de origem japonesa no meio da aula também integram a longa lista de relatos. Relatos estes que dizem respeito a um período de 15 anos, sendo o mais antigo referente a 1999. E como essas coisas nunca vêm sozinhas, homofobia e racismo também fazem parte da conduta do professor, segundo os relatos.

O professor Francisco Coelho, que não é bobo, integrava a maioria dos assédios aos exemplos da aula, tornando difícil para as alunas se levantar contra ele. Em certa ocasião, quando explicava o que eram convenções sociais, encostou no ombro de uma estudante e simulou que iria apalpar seus seios, afirmando, contudo, que não faria aquilo por causa da convenção social. Muitas estudantes trancavam a matéria e esperavam semestres até que outro professor assumisse a cadeira, outras, pra não atrasar a formatura, procuravam sentar no fundo e não participar da aula para não ser alvo do professor. Algumas reclamavam isoladamente no colegiado, mas nunca dava em nada, o que desencorajava as outras alunas. Sr. Chico, tão esperto, no entanto, não fez uma boa análise de conjuntura no ano passado. Não percebeu que o feminismo voltou com força total, não ouviu os gritos de “machistas não passarão”, não percebeu que a juventude foi às ruas enfrentar Fifa, Governo e Tropa de Choque, que ocupou Câmara, Prefeitura e Viaduto.

É, professor, os tempos são outros… vadias expõe seus corpos e gritam: esse corpo é meu!  gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros vão pras ruas e gritam: a vida é nossa! Jovens negros dão rolé no shopping e gritam: esse shopping também é nosso! Negras(os) e indígenas passam no vestibular e gritam: essa universidade também é nossa! Jovens vão pra rua e gritam: essa rua também é nossa!

Não, o machismo não acabou, a lesbo/homo/transfobia não acabou, o racismo não acabou e o caminho para exterminar esses males é longo, muito longo. Mas a vida dos machistas, lesbo/homo/transfóbicos e racistas vai ficar sim cada vez mais complicada. Não vamos mais aceitar caladas(os) homens cis brancos heterossexuais do alto de seus privilégios nos humilhando, nos constrangendo e nos violentando sob a desculpa pérfida da “piada”, sob o discurso cínico da “liberdade de expressão” e da exaltação conservadora do “politicamente incorreto”. E a você e outros companheiros de privilégio que não estiverem conosco na luta por uma sociedade mais plural, livre, justa, igualitária e colorida, restará a tristeza de um mundo cinza. Nós continuaremos pixando as paredes com nossas reivindicações, pensamentos e poesias, continuaremos fazendo escrachos, atos, arte, passeatas e intervenções… até que nossas vozes sejam ouvidas.

Mas para onde vai o caso Chico?

Uma sindicância foi aberta na FAFICH para apurar o caso e há muita desinformação a respeito, já que seu resultado não veio a público. Corre o boato, no entanto, que os membros da sindicância entenderam que não houve assédio. O professor Francisco Coelho, que segundo as boas línguas, teve acesso ao resultado da sindicância antes desta vir a público, viu uma boa oportunidade para processar quatro estudantes e o Centro Acadêmico de Ciências Sociais, pedindo indenização de 25.000 para cada um. É o consolo do prisioneiro, como muito bem diz Laerte. A audiência será nessa sexta, dia 28.

A Procuradoria de Justiça da UFMG, no entanto, anulou o resultado da sindicância e instaurou processo administrativo. Parece que nossas vozes estão começando a ser ouvidas.

Ao professor Chico, deixamos um último recado: não adianta acionar a justiça, professor, a justiça está nas ruas. E se você ainda não ouviu nossa voz, gritaremos mais uma vez:  Machistas não passarão!

N.E.: A Revista Pittacos acolheu este texto: pela seriedade do tema e candura do depoimento, achamos que ele merecia a atenção do nosso público. Colocamos a publicação à disposição do professor e demais citados.

 

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