O dia em que Ross Perot perdeu – pensando com Marina contra Marina

[José Eisenberg]

Ross Perot é um multimilionário norte-americano de 84 anos que foi candidato a presidente nas eleições americanas de 1992. Contados os votos, ficou em terceiro, sem nenhum delegado eleito para o maluco colégio eleitoral que decide a eleição presidencial indireta dos EUA. Ross Perot havia obtido mais de 19 milhões dos “votos populares”, em torno de 19% do eleitorado que compareceu. Ficou em terceiro. Soa familiar?

Pois bem. Creio que uma análise mais pormenorizada, sempre no espírito da controvérsia e do argumento rápido pode ajudar a entender o que aconteceu lá, e o que pode estar acontecendo aqui. Vejamos.

Ross Perot, veterano da guerra do Vietnam, homem com negócios naquele país, empresário de confiança do regime comunista instalado naquele país na hora de buscar reatar os laços diplomáticos e comerciais com os EUA, sempre foi mais republicano em espírito do que qualquer outra coisa. Colaborou, e depois rompeu, com o governo de Ronald Reagan.

Então presidente, George Bush, o pai, disputava a reeleição. Nas costas, um guerra contra o Iraque, a primeira contra Saddam Hussein, o que na verdade era boa coisa. Guerra sempre ajuda reeleição em pleitos presidenciais nos EUA. Em geral são os democratas que as iniciam, mas republicanos conhecem a receita, e o Bush-pai nadou esta onda ao longo daquele ano de 1992.

Bill Clinton, governador de Arkansas, estado do sul irrelevante e pequeno, com queixo de Dick Tracy, casado com a moça de Chicago, Lady Macbeth sempre disposta a aparecer em público com ele depois que o último love affair do bonitão virava capa de tablóide. Naquele ano eleitoral, o caso era com a cantora pop Gennifer Flowers. O casal vinte foi no Fantástico deles, o programa Sixty Minutes desmentir o affair e dizer, como tantas vezes antes e depois, que “tudo estava bem, o casamento está ótimo, e estamos muito felizes de estar juntos para acompanhar o crescimento de nossa filha Chelsea”.

Clinton só conseguiu vencer as primárias do Partido Democrata porque Al Gore desistiu de apresentar seu nome devido a um terrível acidente de carro envolvendo o seu filho, e Mario Cuomo, governador de Nova York não quis arriscar. Dos demais concorrentes, o único que representava uma ameaça era Jerry Brown, governador da Califórnia, estado no qual Clinton acabou também vencendo.

Bush vs. Clinton, cada lutador para o seu canto do rinque. Bush, há doze anos no circulo de poder em Washington, contra mais um governador democrata do sul — e a lista é grande, sendo que o último presidente democrata antes de Clinton foi Jimmy Carter, do estado sulino da Georgia. O resultado final, 43% a 37,5% no voto popular, não violou de maneira drástica nenhum padrão histórico dos EUA, e os votos no colégio eleitoral seguiram de forma razoavelmente fiel ao modo como normalmente os estados se dividem, entre republicanos e democratas.

Bush perdeu a reeleição. Exceto Reagan, de quem fora vice por dois mandatos (1980-1988), todos haviam tido seu desejo por um segundo mandato frustrado desde D. Eisenhower (1953-1961), que tinha Nixon como vice. O charmosão de Hollywood deu uma surra em Jimmy Carter em sua tentativa de reeleição (só venceu em cinco estados), e Ford perdeu pra Carter em uma eleição apertadíssima depois do escândalo de Watergate, e que, aliás, fez com que Nixon durasse apenas um ano depois de reeleito. Johnson, antes deles, desistiu da reeleição logo no inicio da campanha que elegeu Nixon, na esteira do assassinato do democrata pop Bob Kennedy. E do destino similar do irmão deste, JFK, acho que todos já sabemos.

Bush foi o sétimo presidente americano empossado, somente 27 anos depois que Eisenhower terminou o seu segundo mandato. Precisamos voltar até Hoover, empossado em 1929 e que deve ter achado uma graça administrar a economia americana depois do crash para encontrar um presidente que não se reelegeu. Entre o início do mandato de Roosevelt (12 anos), depois de Hoover, e o fim do governo de Eisenhower, foram 28 anos e três presidentes: H. Truman completa a lista.

Tudo isto para dizer que o cenário político eleitoral norte-americano era um, até Eisenhower, e outro depois dele. A complexidade do instituto da reeleição é parte desta narrativa e seus dois momentos. O ciclo político que se abriu com a interrupção súbita do mandato de JFK foi marcado por momentos sucessivos de expressão de um eleitorado e de uma elite política pouco afetos a longos mandatos assegurados pela reeleição.

Parece-me que o Brasil pode estar iniciando um período em que ceticismo popular e uma afeição das elites por alternar os protagonistas serão a tônica dominante. Depois de reeleger FHC e reeleger Lula, o eleitorado e as elites políticas podem estar se decidindo por romper com esse padrão. Ou pode ser que não — que Dilma se reeleja facilmente, ainda que o cenário atual pareça conturbado. Em qualquer um dos dois casos, o que a candidatura Marina Silva virar nos próximos dois meses é parte gigantesca da explicação.

Se Marina consegue ir ao segundo turno, ela pode levar. Mesmo. Como o cenário dela enfrentar Aécio neste embate é desprezível hoje, analisemos o cenário em que enfrentaria Dilma. Esqueçam as pesquisas. Raciocinem comigo. Marina no segundo turno significa que ela é candidata de uma aliança-em-vias-de-virar-coalizão à direita. São poucos os pragmatistas que praticarão o voto útil em Dilma contra Marina. A grande maioria dos votos de Dilma serão fidelizados no primeiro turno, e a diferença necessária para vencer no segundo turno terá de vir do campo à esquerda de onde ela se encontra atualmente e de novas alianças-em-via-de-virar-coalizão do campo conservador no qual ela já transita, muito bem, e obrigada. Marina, nesse cenário precisará se situar, simultaneamente, à direita e à esquerda de Dilma. Tarefa difícil para quem rejeita tanto a velha politica. Agregue-se seu conservadorismo moral – exposto pela postura do candidato Eduardo Jorge (PV) no debate da Band –, que a impede de alcançar aqueles setores da juventude hoje à esquerda no debate sobre temas moralizados. Quando estes temas forem alçados à agenda eleitoral, Dilma sempre poderá se calar e dizer que, como presidenta, obedece à lei. Aécio usou este argumento a seu favor na questão do aborto no debate citado, e se deu bem. A neutralidade moral será uma arma importante em uma eleição que promete trazer à tona temas desta agenda.

Se Marina repetir seu desempenho de 2010, e obtiver em torno de 20% dos votos, mas não conseguir chegar ao segundo turno… epa… peraí. Aí tem algo de Ross Perot nessa história que explica porque me detive tanto ao caso comparativo que elegi para essa reflexão.

As principais consequências que a campanha de Ross Perot de 1992 (e o lugar que ele ocupou no debate eleitoral sobre a agenda política norte-americana) foram: (a) ter deslocado o discurso do presidente Bush para a direita, sequestrando a pauta militarizada da guerra no Iraque, receita que os republicanos tentaram utilizar mais recentemente em John McCain v. Obama e fracassaram; (b) ter deslocado o discurso de Bill Clinton para o colo de Lady Macbeth e sua pauta social, levando-o para a esquerda e, portanto, para o campo liberal, no sentido deles do termo, e que o candidato à vice, Al Gore, originalmente representava. Lembro que Bill Clinton chegou a cogitar ter Jesse Jackson, o pastor e ativista negro protagonista da chamada Rainbow Coalition, como seu companheiro de chapa; e (c) ter deslocado o debate do sistema político bipartidário norte-americano para um lugar com o qual ele sempre flerta, qual seja, o de querer não ser bipartidário — mas Ross Perot não tinha partido, o dele era republicano.

Imaginem o seguinte cenário: Aécio avança para uma disputa no segundo turno contra a presidenta Dilma (muitos dirão que esta hipótese é remota mas estou convencido que é cedo para passar este veredicto). Quais seriam as principais consequências da campanha de Marina Silva (independente de quem ela apoie)?

Deixo-vos com as similitudes implícitas dos dois casos e com um simples exercício de paralelismo. No cenário proposto, acredito que a campanha de Marina Silva terá como principais consequências: (a) deslocar o discurso da presidenta Dilma para a esquerda, sequestrando a pauta da “nova política” (eu chamaria de pauta da juventude); (b) jogar o discurso de Aécio Neves para o colo da direita (ainda mais), forçando-o a mostrar que ele é mais confiável do que a novata que tem “credenciais” atestadas pelo “mercado”; e (c) deslocar o debate do sistema político querendo-se-tornar bipartidário brasileiro para um lugar com o qual ele sempre flerta, qual seja, o de querer não ser bipartidário — e Marina, como Ross Perot, também não tem partido, o dela era o PV.

Em suma, votar em Marina pode representar uma escolha sobre qual tipo de candidatura à direita se quer apresentar contra Dilma no segundo turno. Muitos preferem o modelo que os tucanos tem ofertado a cada quatro anos. Mas se Aécio for o desafiante para o segundo turno, um voto em Marina no primeiro representará colocar a campanha de Dilma no segundo turno mais à esquerda. Um ratchoice me diria que o voto porreta de esquerda é no Aécio, portanto. Tira a Marina pra ter a Dilma mais à esquerda. Vixe. Muito arriscoso.

Uma Marina enfraquecida interessa somente ao sistema político querendo-se-tornar-bipartidário do PT e do PSDB. Mas ainda que Marina desloque esse debate, a ausência de partido deixa-me pouco otimista quanto a possibilidade de uma reorganização do sistema partidário que venha a nascer da construção da Rede; a Rede não será um partido no seio da “velha política”; não quer ser; e ela ainda deve prevalecer por muito tempo.

Como Ross Perot, a candidatura de Marina é rica. Resta saber se será rica o suficiente para se libertar do sem número de compromissos que ela já fez, e ainda terá que fazer, até as eleições e, possivelmente, no segundo turno. Como Ross Perot, ela é capaz de botar um susto danado nisso tudo que já está aí. Um novo ciclo com mais alternância no poder e mais pluralidade partidária não parece estar no horizonte de cenários que esta eleição nos apresenta. Depois que Ross Perot participou daquele pleito, todo presidente americano se reelegeu. E lá se foram 22 anos. Às vezes fico com a impressão de que o nosso ciclo está apenas começando. Foram-se doze; virão mais quatro caso ganhe Dilma, quiçá mais oito caso venha Aécio. E terão se passado 24 anos com dois, somente dois, partidos ocupando a presidência. Tudo isso porque ninguém quer contar a história de como desde que a Nova República começou, quem manda no Brasil — manda no sentido de mandonismo mesmo — é o PMDB. Mas isto já é prosa para outra ocasião. Num decidi nem meu voto ainda. Haja hesitação.

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Um comentário sobre “O dia em que Ross Perot perdeu – pensando com Marina contra Marina

  1. Peleguismo!!!
    O lulismo para por um momento do lulismo e do crescimento, a solução para esse tal gargalos se faz nesse eixo.. para a direita passa por uma nova época de barbárie “””neoliberal”””, para a esquerda por um projeto de resgatar reformas essenciais, como reforma agrária, etc… não vejo nada de novo do FRONT! resta saber qual caminho o povo irá escolher, e se isso se refletirá no PT.. porque o petismo é um projeto em disputa e nesse novo governo será necessário tomar lado!

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