Notas Sobre o Primeiro Turno das Eleições 2014

[Fernando Perlatto]

Ainda é cedo para construir uma análise sistemática das eleições que ocorreram no domingo em todo o país, mobilizando cerca de cento e quinze milhões de brasileiros. A despeito de problemas pontuais ocorridos no momento das votações, sobretudo nas urnas biométricas, é digna de nota a engenharia institucional que assegura que uma eleição com esta envergadura aconteça em todo o território nacional e que, rapidamente, tenhamos o conhecimento dos resultados que emergem das urnas. Além disso, importa destacar que, não obstante os enormes problemas que atravessam o sistema representativo brasileiro – e o domínio do capital privado é, sem sombra de dúvidas, a maior causa de todos eles –, o país deu mais uma vez um passo importante para a consolidação da sua democracia, assegurando que os eleitores participassem do processo eleitoral em grande número, a despeito do contingente elevado de abstenções, e votos nulos e brancos, que, somados, atingiram, aproximadamente, 28% da população. Dito isso, seguem abaixo algumas notas sobre a conjuntura brasileira pós-eleições, escrita ainda no calor da hora, analisando, de forma geral, os resultados (I) da eleição presidencial e (II) dos pleitos estaduais; (III) a nova configuração do Legislativo brasileiro e (IV) a complexa relação entre as manifestações de junho de 2013 e os resultados das urnas.

(I)

No que concerne às eleições presidenciais, o primeiro aspecto que merece destaque é a derrota fragorosa de Marina Silva. Tendo se consolidado como a maior surpresa do quadro eleitoral, após a morte de Eduardo Campos, a campanha de Marina seguiu uma trajetória ascendente até dias anteriores às eleições presidenciais, quando passou a cair sistematicamente nas pesquisas, obtendo, ao final, 21,3% dos votos válidos, um pouco mais do que a candidata obteve no pleito de 2010. Muitas poderiam ser as razões para explicar a brusca queda da candidata às vésperas das eleições. Em primeiro lugar, vale destacar a desconstrução de sua candidatura muito bem realizada por PT e PSDB, desconstrução esta, diga-se de passagem, bem-sucedida pelas próprias contradições existentes no programa de governo e nos pronunciamentos realizados pela candidata. Da rápida mudança no programa em relação às políticas direcionadas ao público LGBTT e à questão nuclear, passando pela cópia de trechos de programas de outros candidatos, até chegar às posições controversas em relação à votação da CPMF, Marina foi se mostrando cada vez mais frágil e controversa em relação a determinados temas, abrindo novos flancos para as críticas que lhes eram dirigidas.

A isso se somou a estrutura de campanha da própria candidata. Por um lado, os parcos minutos televisivos não permitiram a ela responder aos ataques desferidos por petistas e tucanos. Por outro lado, sua candidatura mostrou fragilidades institucionais – relacionadas ao material a ser distribuído para os estados, às viagens realizadas pela candidata etc. –, agravadas por problemas em relação à composição de palanques em vários estados importantes, como São Paulo e Rio de Janeiro, que causaram problemas para um enfrentamento mais significativo primeiro contra Dilma, quando apareceu como uma ameaça real à atual presidente, e, depois, contra Aécio, na disputa pela vaga daquele que enfrentaria a atual presidente no segundo turno. O próprio PSB se mostrou fragilizado no decorrer da disputa, como ficou evidente na iniciativa de determinados grupos no sentido de promover as eleições internas do partido algumas semanas antes do processo eleitoral, deflagrando disputas e tensões na legenda, que somente foram sanadas a pedido de Renata Campos, viúva de Eduardo Campos. De qualquer maneira, a tentativa da eleição fora de hora evidenciou a fragilidade da estrutura partidária do PSB para dar sustentação a um projeto de governo nacional.

Somem-se a isso erros amadores e importantes que a campanha cometeu, que contribuíram para expor as dificuldades que Marina teria que enfrentar uma vez no governo. Exemplares, no que tange a este aspecto, foram as declarações desencontradas de diferentes apoiadores da chapa, que se contradiziam e, muitas vezes, contrariavam a própria candidata, inclusive em pontos relevantes, relacionados à política econômica e social. Nesse sentido, vale recordar as declarações do próprio candidato a vice-presidente, Beto Albuquerque, dizendo que “Ninguém governa sem o PMDB”, colocando em cheque um dos carros-chefes da candidatura de Marina, vinculado à construção da “nova política”. Para completar, mesmo quando Marina acertou, em uma perspectiva mais geral, ela acabou errando. Explico-me: mesmo quando corretamente divulgou o programa de governo – algo que os dois outros principais candidatos equivocadamente se recusaram a fazer –, o fez de forma precipitada, abrindo novos espaços para a crítica dos adversários, algo que não aconteceu com Dilma e Aécio. Talvez, se tivesse aguardado mais algumas semanas para lançar seu programa, poderia ter se poupado de muitas críticas que lhe foram dirigidas e que impulsionaram o processo de desencantamento em relação a sua candidatura por parte de muitos segmentos.

Contudo, a meu ver, o principal erro de Marina foi ter optado por construir sua candidatura pelo campo conservador e não pela esquerda. Com todas as contradições de seu programa, Marina aparecia como a única candidata capaz de se colocar, pelo menos simbolicamente, como a principal portadora das agendas expostas nas manifestações de junho de 2013, defendendo o avanço na democratização das instituições e o fortalecimento dos bens públicos, como transporte, saúde e educação. Se, por um lado, a retórica vazia contra a “velha política” deixou de lado o radicalismo que a ideia de “democratizar a democracia” poderia trazer, por outro, a defesa da política econômica neoliberal sepultou qualquer esperança de avançar no fortalecimento dos bens públicos. Para completar, Marina preferiu fazer a crítica ao governo Dilma pelo lado mais conservador – a exemplo da defesa da independência do Banco Central e da crítica à corrupção, que passou a dominar seus discursos nas últimas semanas –, deixando de criticá-la pela esquerda, isto é, a partir da mobilização da agenda do meio-ambiente e da sustentabilidade contra o desenvolvimentismo que passou a dominar a agenda da esquerda nos últimos anos.[1] Marina optou pelo establishment econômico, e este, ao ver que Aécio, seu candidato preferido recobrava forças, voltou a apoiá-lo, como ficou evidente nas capas das principais publicações do país nos dois últimos dias antes das eleições, fazendo com que a candidata perdesse apoios importantes que estavam a lhe dar sustentação.

A grande questão que se coloca é o apoio que Marina e o PSB darão no segundo turno e seus impactos reais na disputa política. Para ser coerente com seu discurso, Marina deveria se manter neutra, reforçando a possibilidade da construção de uma “terceira via” no país, que teria na Rede, ainda a ser criada, sua principal escora institucional. Seria criticada no curto prazo, mas sairia fortalecida em um tempo mais dilatado. Contudo, a candidata não resistirá às pressões vindas da imprensa e do campo tucano. Resta saber se seu apoio a Aécio reverterá na transferência de votos de seus eleitores, o que não necessariamente é verdadeiro, sobretudo no que concerne aos seus apoiadores mais à esquerda. Quanto ao PSB, ainda que declare um posicionamento único de apoio a uma das candidaturas, é praticamente certo que o partido se dividirá: o presidente da sigla, Roberto Amaral, dará apoio – ainda que informal – à candidata do PT, de quem sempre esteve próximo. O mesmo deverá ocorrer com outras lideranças, como o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, que enfrentará o tucano Cássio Cunha Lima no segundo turno. Já a outra ala do PSB, representada pelo vice-governador de São Paulo, Márcio França, e pelo prefeito de Campinas, Jonas Donizete, também próximo a Geraldo Alckmin, deverá apoiar Aécio Neves, contando também com o auxílio do ex-tucano Walter Feldman, coordenador da campanha de Marina. Aécio ainda buscará obter o apoio da família Campos, que lhe abriria uma possibilidade de forte crescimento em estados importantes do Nordeste, em especial, Pernambuco.

*****

O resultado de Aécio Neves, que abriu mais de onze pontos em relação a Marina Silva, foi mais surpreendente pelo seu desempenho em relação às pesquisas eleitorais que antecederam à abertura das urnas do que se compararmos com as votações anteriores do PSDB. Na última eleição, por exemplo, o então candidato do partido, José Serra, obteve 32,6% dos votos e, agora, Aécio ampliou para 33,5% os votos dos tucanos. Ainda que tenha roubado alguns votos de Dilma Rousseff nos últimos momentos, o crescimento de Aécio frente às indicações das pesquisas anteriores se explica, em grande medida, pelo realinhamento de eleitores que iriam votar em Marina, mas que, nos dois últimos dias que antecederam as eleições, verificaram, a partir das pesquisas divulgadas, que a candidatura de Aécio se mostrava mais consolidada. Esse realinhamento eleitoral talvez tenha se dado com mais intensidade do que se o inverso tivesse acontecido – isto é, se a candidata do PSB estivesse à frente do candidato tucano –, pois os votos em Marina se mostraram menos consolidados do que aqueles que estavam a sustentar a candidatura de Aécio. Além disso, deve-se considerar o fato de o PSDB ser um partido mais bem estruturado do que o PSB, sobretudo em São Paulo, onde Aécio obteve uma votação estrondosa, vencendo em 88% dos municípios, o que lhe assegurou um movimento de chegada importante.

De qualquer modo, ainda que tenha permanecido cerca de 8% atrás de Dilma, o que importa é que o resultado de Aécio Neves o fortalece na disputa do segundo turno, sobretudo por indicar um crescimento vertiginoso nos últimos dias. Este crescimento, é forçoso reconhecer, se deveu, em grande medida, à própria postura do candidato, que, ao contrário do que desejavam muitos de seus correligionários, não abandonou a disputa nos momentos mais difíceis – recorde-se, por exemplo, um dos debates no primeiro turno no qual Aécio foi completamente ignorado pelas duas outrora principais candidatas, além da entrevista, àquele momento aparentemente bizarra, convocada para dizer que não desistiria do pleito. Além disso, Aécio teve um desempenho muito superior ao de Marina no último debate, da TV Globo, que teve audiência considerável, o que também pode ter contribuído para atrair eventuais eleitores indecisos e trazer para seu campo aqueles que apoiavam Marina sem maiores convicções. Somado a isso, contribuiu para a sua ascensão o apoio implícito e explícito que os meios de comunicação mais influentes deram a Aécio na reta final da campanha, ainda que isto não explique por completo seu crescimento.

Porém, nem tudo são flores para Aécio Neves nesta nova etapa eleitoral. No segundo turno, o tucano terá que ampliar significativamente sua votação onde foi bem sufragado, isto é, no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste, e crescer fortemente no Norte e no Nordeste, expandindo a sua pífia votação nessas regiões (em Pernambuco, por exemplo, Aécio fez 6% dos votos; no Maranhão, não chegou a 12% e no Rio Grande do Norte e na Bahia, não alcançou 20% dos votos válidos). Além disso, há o fator Minas Gerais. Aécio perdeu para Dilma no estado que vinha exibindo em seus programas de televisão e nos debates presidenciais como a principal vitrine de sua administração. Ademais, Aécio viu seu candidato ao governo, Pimenta da Veiga, ser abatido no primeiro turno pelo petista Fernando Pimentel, do PT, com uma diferença significativa de votos. Esta derrota tem tanto o impacto simbólico óbvio, por abrir novos flancos para a crítica ao seu legado como governador em Minas Gerais, quanto o impacto político, uma vez que muitos dos prefeitos mineiros, dependentes dos investimentos estatais, podem não querer se indispor tão abertamente com o governador recém-eleito, Pimentel, o que pode prejudicar a campanha tucana em alguns municípios importantes do estado.

*****

Ainda que não tenha vencido no primeiro turno – como poucos, porém, esperançosos militantes do PT acreditavam – e ainda que tenha obtido menos votos do que em 2010, perdendo cerca de 4 milhões de eleitores, Dilma Rousseff mostrou, ao longo da campanha, ter consolidado um piso importante de votos, os quais, a despeito de todas as críticas direcionadas ao governo, sobretudo nos momentos finais da campanha, não foram severamente abalados. Os 41,6% de votos válidos parecem bem consolidados, sobretudo no Norte e Nordeste, e entre os segmentos mais pobres, beneficiados diretamente pelos programas de transferência de renda, identificados com o que André Singer chamou de “lulismo”. Dilma agora terá o desafio de expandir sua votação nessas regiões – para isso Lula, que teve um papel relativamente discreto no primeiro turno, deve ganhar maior protagonismo – e tentar reduzir a distância de votos nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás, que, aparentemente, se consolidam como o grande bastião do “tucanismo”, que assegurou a boa votação de Aécio Neves no primeiro turno, assim como havia ocorrido com a candidatura de Serra em 2010. Também deverá lutar para ampliar sua votação em estados como Pernambuco, que lhe deram votações expressivas na eleição passada, mas que se realinharam em direção à candidatura de Marina Silva, sob o impacto da morte de Eduardo Campos.

Nesse sentido, para assegurar sua vitória, Dilma terá que consolidar seu eleitorado e atrair segmentos que apoiaram a candidatura de Marina no primeiro turno. Destes, ela não conseguirá trazer para o seu campo de votação aqueles eleitores que apoiaram Marina pelo antipetismo ou antidilimismo, cujos votos tenderão a ser deslocados, em sua grande maioria, para Aécio. Resta a Dilma atrair o grupo de eleitores de Marina mais à esquerda, quer sejam aqueles mais próximos ao PSB, quer sejam aqueles se intitulam “sonháticos”, que desejam mudanças mais efetivas na sociedade brasileira. Para atrair estes dois grupos, Dilma deverá reforçar as conquistas obtidas em seu governo – sobretudo aquelas relacionadas à expansão de programas sociais, como o Bolsa Família, Pronatec, o aumento do salário mínimo, a expansão das universidades federais, o PROUNI e o Mais Médicos, que possibilitaram avançar no processo de redistribuição de renda – e ampliar a contraposição com o PSDB. Mas, para convencer os eleitores de Marina mais à esquerda, a candidata não poderá somente falar do passado, comparando os anos de FHC com os anos Lula-Dilma – algo que será importante principalmente para consolidar os votos daqueles que a escolheram no primeiro turno –, mas deverá evidenciar de que maneira seu novo governo poderá avançar na democratização das instituições políticas e na redução da desigualdade social. Ou, dito de outro modo, caberá sim a Dilma reforçar as diferenças entre os governos passados dos dois partidos, mas também expor a contraposição das duas legendas no que diz respeito às mudanças relacionadas ao futuro do país.

*****

Em relação às eleições presidenciais, vale ainda destacar o bom desempenho de Luciana Genro, com 1,55% dos votos válidos, superando o Pastor Everaldo, que obteve 0,75%. Esperava-se, talvez, que Eduardo Jorge pudesse obter uma maior votação pelo seu bom desempenho nos debates, embora não deixe de ser significativo que ele tenha sido mais bem votado do que Levi Fidelix (respectivamente, 0,61% e 0,43%), sobretudo quando se recorda dos embates travados entre os dois candidatos no último debate em torno da união homoafetiva, do aborto e da descriminalização da maconha. O que talvez seja interessante destacar é que dos candidatos com menor expressão pública, aqueles que se identificam ao campo da esquerda (Luciana Genro, Eduardo Jorge, Zé Maria, Mauro Iasi e Rui Costa Pimenta) obtiveram juntos aproximadamente 2,30% dos votos válidos, ao passo que aqueles mais relacionados ao campo da direita (Pastor Everaldo, Levy Fidelix e Eymael) obtiveram, somados, cerca de 1,20%. Para o segundo turno, é certo que o Pastor Everaldo apoiará Aécio Neves, bastando lembrar, para tanto, a “dobradinha” no último debate, da mesma forma que deve ocorrer com Levi Fidelix. Também é provável que Eduardo Jorge apoie a candidatura tucana, uma vez que atuou como secretário de estado de José Serra e tem sido mais crítico ao PT do que ao PSDB em seus pronunciamentos. Ainda que Luciana Genro possa se manter neutra, muitos militantes do PSOL tenderão a votar em Dilma Rousseff, como é o caso de Marcelo Freixo, deputado estadual mais votado no importante colégio eleitoral do Rio de Janeiro, contribuindo para fortalecer o voto à esquerda na candidata petista.

*****

À guisa de conclusão do quadro eleitoral presidencial, o que se pode constatar é que, no segundo turno, Dilma Rousseff entra como favorita, quer pela distância de cerca de oito milhões de votos tiradas em relação a Aécio Neves, quer pelo histórico que evidencia que, desde a redemocratização, nenhum daqueles candidatos à presidência que chegaram ao segundo turno em primeiro lugar perderam as eleições. De qualquer modo, o cenário eleitoral permanece em aberto e, muito provavelmente, teremos uma das eleições mais apertadas dos últimos anos. A polarização PT e PSDB se repetirá mais uma vez nestas eleições e os temas da corrupção, da política econômica e das políticas sociais devem dominar o debate, abrindo para o eleitor a possibilidade escolher entre dois projetos de Brasil que se mostram cada vez mais antagônicos. Independente do resultado que sairá das urnas, pode-se prever nos próximos quatro anos um cenário de uma maior polarização, acirramento e radicalização dos posicionamentos políticos no país, à esquerda e à direita, em torno da herança do “lulismo”.

(II)

Ainda é precipitado traçar um quadro geral do cenário dos governos estaduais, uma vez que os eleitores de vários estados ainda decidirão em segundo turno quem os governará nos próximos quatro anos. De qualquer modo, é importante destacar que o PMDB foi o partido mais vitorioso até o momento em termos numéricos, com quatro governos conquistados (Alagoas, Espírito Santo, Sergipe e Tocantins), seguido pelo PT, com três governos (Minas Gerais, Bahia e Piauí) e PSDB, com dois governos (São Paulo e Paraná). PSB, PDT, PSD e PCdoB elegeram, cada qual, um governador no primeiro turno (respectivamente, Pernambuco, Mato Grosso, Santa Catarina e Maranhão), merecendo destaque especial a vitória do comunista Flávio Dino, derrotando a dinastia Sarney no Maranhão.

Dentre os resultados do primeiro turno, vale destacar que, no que concerne à polarização PT e PSDB, os dois partidos tiveram resultados positivos e negativos. O PT, por exemplo, teve vitórias fundamentais como a de Fernando Pimentel, em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, e de Rui Costa, na Bahia, além do triunfo de Wellington Dias, no Piauí, embora o partido tenha tido derrotas importantes, como o terceiro lugar de Alexandre Padilha, em São Paulo, que não conseguiu crescer como se esperava, e o segundo lugar de Tarso Genro, no Rio Grande do Sul, embora este ainda tenha chances de vencer a eleição no segundo turno. Quanto ao PSDB, o partido teve sucesso em manter a hegemonia de São Paulo após mais de vinte anos, com a vitória em primeiro turno de Geraldo Alckmin, apesar de todas as críticas em relação à seca do estado e ao aumento da violência, bem como as denúncias de cartel no metrô, além de ter vencido o Paraná, com Beto Richa. No que concerne às derrotas, vale ressaltar a perda de Minas Gerais, importante bastião dos tucanos, perdido para a oposição petista, com claras consequências para as eleições presidenciais, como ressaltado anteriormente. Desse quadro, se destaca que Minas Gerais e São Paulo, os dois maiores colégios eleitorais do país, serão os principais espaços nos quais se travarão as disputas entre tucanos e petistas não apenas para no que diz respeito à eleição no segundo turno, mas nos próximos quatro anos.

(III)

O Legislativo brasileiro passou por mudanças importantes após a votação de domingo. Em relação à Câmara dos Deputados, o PT permanece como o maior partido da casa, embora tenha reduzido sua participação de 88 para 70 deputados, conquistando sua menor bancada, desde 2002, quando chegou à presidência da república. O PMDB também reduziu seu número de deputados, ainda que continue mantendo um número considerável de cadeiras, com 66 assentos. Ademais, o partido deve assegurar a presidência da Casa, com Eduardo Cunha, terceiro deputado mais bem votado no Rio de Janeiro. PSDB e PSB tiveram crescimentos expressivos, respectivamente, de 44 para 54 deputados, e de 24 para 34. A estes quatro partidos, somam-se PSD, PP e PR, como os maiores partidos da Câmara, tendo cada qual, simultaneamente, 37, 36 e 34 cadeiras. O PRB cresceu significativamente, passando de 10 para 21 deputados, contando, para isso, com a fragorosa votação do deputado federal mais votado do país, Celso Russomano.

Dos resultados das urnas, vale destacar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, convém ressaltar que, a despeito da redução de cadeiras por parte do PT, PMDB e de outros partidos da base aliada, caso Dilma Rousseff vença o segundo turno, ela manterá a maioria dos votos na Câmara, com aproximadamente 304 dos 513 deputados, na coalizão governista. Porém, se o vencedor for Aécio Neves, o tucano contará, a princípio, com apenas 128 partidos em sua base aliada, o que, naturalmente, lhe trará maiores problemas de governabilidade. Esse quadro, contudo, deverá se alterar, com um realinhamento dos partidos na casa, inclusive com um provável deslocamento de parte significativa do PMDB para a coalizão tucana. Ademais, Aécio contará com o crescimento do PSDB, que se consolida como a terceira maior legenda da Casa, ultrapassando o PSD. Porém, em uma eventual presidência, Aécio terá que contar com a forte oposição do PT, que se mantém como o maior partido da Câmara dos Deputados.

Independente de quem vença o segundo turno, a construção da maioria para a aprovação de reformas importantes se tornará ainda mais difícil, uma vez que houve uma ampliação significativa da fragmentação da composição partidária na Câmara dos Deputados. Se na legislação anterior havia 22 partidos que compunham o quadro de deputados, na nova legislação serão 28 legendas. Seis partidos que não haviam conquistado votos diretamente em 2010, entraram nesta nova composição (os partidos pequenos, PEN, PTN, PSDC, e os partidos novos, PSD, Solidariedade e Pros). PSL, PRTB e PTdoB terão, cada qual, somente um deputado, ao passo que PEN, PTC e PSDC terão dois legisladores a lhes representar. Nesse cenário de ampla dispersão partidária, reformas como, por exemplo, a reforma política, sobretudo se buscar adotar questões como cláusula de barreira, objetivando reduzir o número de partidos no sistema eleitoral brasileiro, se verão ainda mais obstaculizadas, uma vez que os interesses conflitantes, em um cenário de dispersão, tendem a se impor sobre a construção de consensos mínimos.

Outro aspecto que chama a atenção da nova composição da Câmara diz respeito ao fato de que, apesar da visível crise do DEM, outrora bastião conservador do Congresso Nacional, que obteve uma votação muito baixa para seu padrão histórico (22 cadeiras, sendo que em seus áureos tempos, em 1998, já teve mais de 100 assentos), a Câmara dos Deputados foi composta, mais uma vez, por políticos que têm tido posicionamentos fortemente conservadores, indicando que reformas progressistas associadas a temáticas como descriminalização das drogas e aborto, união homoafetiva e iniciativas voltadas para a ampliação dos processos de democratização política e social, sofrerão ainda mais resistências da bancada conservadora, sobretudo com a ampliação de votos da bancada de empresários, militares e ruralistas. A boa votação de partidos conservadores como PSC, PP e PR, e os ótimos resultados nas urnas de políticos como Marco Feliciano, em São Paulo, e Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, tendem a fortalecer o cinturão conservador a se opor a avanços mais significativos que possam se articular com as agendas mais emancipadoras, que se desenharam nas manifestações de junho de 2013, sobretudo no que diz respeito a uma reforma política mais ampla.

*****

O Senado manteve o mesmo número de partidos da legislação anterior, ainda que tenha testemunhado mudanças importantes na sua composição. O quadro de fragmentação não é tão grande quanto na Câmara dos Deputados, haja vista que PMDB, PT e PSDB – ainda que reduzindo o número de cadeiras – somam 40 das 81 cadeiras da Casa. O PMDB perdeu um senador, embora mantenha a liderança de cadeiras, com 18 assentos, devendo assegurar, na próxima legislatura, a presidência do Senado, com Renan Calheiros. O PT perdeu um senador e agora terá 12 cadeiras, merecendo destaque derrotas importantes, como a do atual senador Eduardo Suplicy, em São Paulo, e do importante quadro partidário, o candidato Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. Apesar desses reveses, o PT se mantém como a segunda principal força da Casa. O PSDB, por sua vez, perdeu duas cadeiras e pode se enfraquecer ainda mais a depender dos resultados das eleições majoritárias no segundo turno, embora tenha assegurado a eleição de figuras partidárias com destaque no campo da oposição, como José Serra (São Paulo), Antonio Anastasia (Minas Gerais), Tasso Jereissati (Ceará) e Álvaro Dias (Paraná).

Vale, ainda a menção, no que diz respeito à composição do Senado, ao crescimento do PSB, que saiu de 4 cadeiras para 7 assentos, se tornando o quarto partido em número de senadores. Esse aumento pode conduzir a mudanças de composições importantes na nova legislatura, a depender do posicionamento a ser adotado pelo partido, em um governo Dilma Rousseff ou em um governo Aécio Neves. De qualquer modo, vale observar que, em caso de vitória de Dilma, ela mantém, pelo menos a princípio, a maioria da base aliada, com 58 cadeiras na Casa contra 23 cadeiras da oposição. Importa destacar, contudo, que o quadro no Senado ainda pode se alterar, dependendo dos resultados da eleição nacional – uma vez que Aécio e seu vice Aloysio Nunes fazem, atualmente, parte do Senado – e das eleições estaduais, na medida em que Rodrigo Rollemberg, do PSB, e Eunício Oliveira, do PMDB, podem ser eleitos governadores.

(IV)

Para concluir a análise sobre o quadro eleitoral após o primeiro turno, convém refletir, ainda que de maneira breve, sobre um possível descompasso entre as manifestações de junho de 2013 e os resultados eleitorais, sobretudo no que diz respeito ao Legislativo, que, conforme, destacado acima, apresenta um quadro majoritariamente conservador. Teriam sido as manifestações de junho culpadas por esse resultado? Ou, pelo contrário, elas não teriam absolutamente nada a ver com o avanço dos grupos conservadores sobre fatias importantes do eleitorado brasileiro?

De um lado, a derrota de figuras importantes para a esquerda e a vitória de nomes tradicionalmente ligados ao conservadorismo, quando não portadores de discursos reacionários, tem levado muitos analistas a concluírem que as manifestações de junho de nada serviram para o acúmulo de forças à esquerda ou, pior, que as jornadas de 2013 teriam conduzido o país ainda mais para a direita. De outro lado, outros analistas, mais próximos às agendas das ruas, procuram dissociar os eventos, como se as jornadas de junho nada tivessem a ver com os resultados desoladores das urnas, culpando exclusivamente os partidos de esquerda pela derrota de seus respectivos candidatos. A meu ver, as duas leituras se equivocam em algumas questões.

A primeira intepretação se equivoca, pois parte do pressuposto de que sem as manifestações de junho não teríamos um congresso tão conservador. Essa leitura é errada tanto por partir de um a priori equivocado – a saber, a ideia de que o congresso era progressista anteriormente –, quanto por não perceber que a própria conjuntura brasileira, cada vez mais polarizada, tem favorecido o fortalecimento de opiniões conservadoras, presentes desde o apoio a “justiça pelas próprias mãos” em diversos acontecimentos nos últimos meses, até as declarações homofóbicas de Levi Fidelix, passando pelas manifestações racistas contra os eleitores do Nordeste, que votaram em Dilma no primeiro turno. Ou seja, o discurso conservador tem se tornado mais escancarado na sociedade brasileira nos últimos anos mais como consequência das próprias transformações de inclusão impulsionadas pelos governos Lula e Dilma do que pela eclosão das manifestações de junho, que, a despeito da emergência de discursos conservadores, também contribuíram para escancarar limitações do projeto petista no que disso respeito a transformações mais efetivas na sociedade brasileira. As manifestações podem ter contribuído para radicalizar o discurso do antipetismo e do anti-partido, que levaram ao quadro eleitoral discutido anteriormente, mas o conservadorismo já vinha se consolidando fortemente em diferentes segmentos sociais. Nesse sentido, é um equívoco criticar somente os manifestantes e não perceber que os partidos de esquerda – em especial, o PT – tiveram e ainda têm tido dificuldades enormes para compreender junho e dialogar com algumas das forças progressistas que emergiram naquele contexto.

Quanto à segunda interpretação – esta mobilizada principalmente pelos grupos da extrema-esquerda, que lideraram as manifestações de junho –, ela também é equivocada, pois reifica junho, como se não fosse também necessário pensar criticamente sobre os resultados desses eventos para a correlação de forças no país que emergiram daquele processo. Dessa forma, esses grupos deixam de fazer a autocrítica do que foram aquelas jornadas e de suas consequências para a política brasileira, “lavando as mãos” para os resultados do parlamento. Os resultados eleitorais deveriam sim fazer com que os movimentos de junho repensassem suas táticas e estratégias, passando a refletir com mais sistematicidade sobre a questão da institucionalidade, tão desprezada por determinadas segmentos, mas que se torna fundamental para fazer avançar qualquer agenda mais progressista na sociedade brasileira.

Talvez, as urnas, pelo menos neste primeiro turno, tenham evidenciado mais uma vez algo que vem se desenhando na conjuntura brasileira nos últimos tempos: à medida que as forças conservadoras escancaram suas posições – como resultado do processo de inclusão promovido nos últimos doze anos –, cabe à esquerda institucionalizada e àquela que se fortaleceu nas ruas em junho se repensarem e buscarem a construção de consensos em torno de agendas que façam avançar verdadeiramente os processos de democratização política e social do país. É somente dessa dialética que poderá nascer algo verdadeiramente novo na política brasileira.

[1] Sobre este ponto, ver a excelente entrevista de Eduardo Viveiros de Castro a Eliane Brum, intitulada “Diálogos sobre o fim do mundo”, publicada no jornal El País:

 http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.html

perlatto

Leia outros textos de Fernando Perlatto

perlatto

Leia outros textos sobre Eleição 2014

eleição

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s