A Desocupação da Fazenda Iguatemi e a Mídia Jornalistica

[Vinicius Siqueira]

No dia 26 de março a Polícia Militar estava pronta para realizar mais uma de suas brutais desocupações. Neste caso, o local seria a Fazenda Iguatemi, na Zona Leste de São Paulo – um lugar onde cerca de 750 família sem-teto conseguiram fixar um lar. Um terreno de 130 mil metros quadrado que era abandonado pelo dono: o local era o famoso terreno baldio de bairro (no seu deve ter um), só que dez vezes maior.

Então algo acontece e impede a desocupação (o que não significa que impediu a violência da PM, mas isso é para outro texto). Vamos ver o que aconteceu?

De acordo com a Folha: Alckmin e Haddad intervém para suspender desocupação após conflito na Zona Leste [1].

De acordo com o Estadão: Governo de SP pede suspensão da reintegração de posse no Jd. Iguatemi [2].

De acordo com o Agora São Paulo: Justiça suspende desocupação em favela depois de acordo [3].

De acordo com o Rede Brasil Atual: Haddad intervém para impedir desocupação de área com 750 famílias [4]

De acordo com o SpressoSp, da Revista Fórum: Haddad declara terreno no Jd.Iguatemi como área de interesse social e barra reintegração de posse [5]

Não preciso dizer que o Jornal Nacional se firmou na mesma posição da Folha, dando maior autoridade de decisão para Alckmin; O Band News focou na Justiça – esse termo neutralizador – e o Jornal do SBT também focou na Justiça, mas deu o poder de decisão para a prefeitura de SP.

Um mesmo fato, quando transformado em notícia, se traveste de inúmeras formas. Com isso eu já acho que fica impossível em falar de jornalismo imparcial. Entretanto, o que me parece mais interessante é a localização das principais responsáveis pela informação noticiada. A Folha, o Estadão, o Agora São Paulo, a Globo e a Band News, nenhum deles colocou o personagem do prefeito Haddad como um agente decisório. Era como se ele não fosse ninguém, como se a desocupação tivesse parado por ordem do Alckmin ou de Deus.

Este corte da informações que podem ser repassadas acontece a priori, tem a ver com a própria linha editorial do meio de comunicação. Este corte faz parte daquilo que há de mais fundamental no jornal ou na revista em questão. Até mesmo a maneira de utilizar a linguagem – a diferença do contexto onde se coloca “reintegração de propriedade” e “desocupação” – faz parte de uma forma de localizar a notícia dentro das tendências do próprio jornal/revista. Pode-se ser agressivo, pode-se lamentar, pode-se aumentar a moral de um, diminuir a de outro… E assim a coisa anda.

O fato é que, só tendo as notícias como base, não dá pra ter ideia se este ato foi de Haddad ou de Alckmin, entretanto, não creio que faça tanta importância para este texto. O importante é que é possível ver a posição das revistas/jornais em qualquer tipo de notícia e que nenhuma notícia é neutra. Nenhuma.

Ocupação É Sempre Válida

Seja como for, eu sinceramente duvido que a bondade no coração do nosso governador tenha impedido a desocupação – está muito mais alinhado com as premissas do PT evitar este tipo de boçalidade legal. Vejamos, as famílias que ocuparam o terreno, não o fizeram por que são preguiçosas, por que não querem trabalhar, por que não querem “se mexer”. A falta de moradia é um problema que se refere ao Estado, por não prover este tipo de direito básico gratuitamente para o número suficiente de famílias, mas também é um problema do mercado! Não enquanto regulação de preços, não enquanto regulação de oferta e demanda! É um problema de mercado em sentido amplo, por se referir à propriedades inutilizadas – muitas vezes que não são valorizadas no mercado, que não se localizam em “bons pontos” -, mas que ainda são quase como um membro do corpo de seu proprietário.

A propriedade de um número ilimitado de m² de terreno ou de um número ilimitado de casas e/ou apartamentos delimita as possibilidades de compra/aluguel daqueles que precisam de moradia. Quando um terreno barato (e enorme) é comprado por um grande empresa ou por um capitalista médio afim de ter uma casinha longe do centro, ele não poderá servir de moradia para família que realmente seriam destinadas (socialmente destinadas, talvez) a eles.

A ocupação, mais do que um grito de desespero, é um ato político que nega a legitimidade da propriedade irrestrita. É o sintoma de um local que não atende seu próprio povo por causas estruturais.

É provável que, depois do acontecido, seja possível ter mais esperança a respeito do mandato de Haddad. Que, conforme o mapa de votação na cidade de São Paulo, ele represente as periferias, não os bairros azuis – não os bairros ricos. É uma questão de interesses de classe muito clara! A periferia não suporta o monopólio da cultura e da informação do discurso oficial, muito menos a sua dominação. Não dá mais para suportar – a cidade está em colapso.

Os meios de transporte são decadentes. Sempre lotados, não conseguem cumprir seu papel sem retirar um pedaço da energia dos usuários (em sua maioria, trabalhadores e estudantes de regiões afastadas do centro, mas que precisam chegar até lá para trabalhar e estudar). Entretanto, ainda os leva. E isso é o suficiente para os empregadores das regiões centrais. Mas não é para os empregados!

Jornalecos

Os jornais acima, que tentam reduzir a parada da desocupação como um momento de bondade de Alckmin, ou como uma decisão deste ser ontológico distante chamando Justiça, eles são parte do aparelho oficial de reprodução da informação e do discurso vigentes. Não há motivos para ainda acreditar ou para “fazer uma análise imparcial” de tais empresas – já que não passam disso: de empresas que tem como fim último o lucro desenfreado.

É o que Caio Colombo denuncia em seu Catástrofe Contemporânea: o lucro é um fim último e nunca saciável. O lucro é um poço sem fim, um poço que seguramente não irá transbordar, mas que precisa ser transbordado.

E sobre um manto de imparcialidade, de liberdade do consumidor para ler o que quiser, estas empresas jogam às vistas a informação exatamente como deve ser entendida e como deve ser reproduzida. Sem interesses, dizem… Mas suas publicações são as mais famosas, mais apoiadas pela mídia em geral e as mais baratas. Eles são os mais acessíveis e sabem disso. A liberdade de escolha é delimitada para a obrigação de se escolher um semanal famosíssimo ou um outro qualquer. Quem escolheria o “outro qualquer”?

Tendo em vista a importância que este outro qualquer acaba carregando mesmo sem querer, é hora de escolhermos o outro lado – ou melhor, é hora de haver condições de possibilidade para que a escolha do outro qualquer seja legítima, seja mais provável que a escolha do discurso oficial.

As referências:

[1] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1253115-alckmin-e-haddad-intervem-para-suspender-desocupacao-apos-conflito-na-zona-leste.shtml

[2] http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,governo-de-sp-pede-suspensao-da-reintegracao-de-posse-no-jd-iguatemi,1013466,0.htm

[3] http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u1253125.shtml

[4] http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2013/03/haddad-intervem-para-reverter-desocupacao-de-area-onde-vivem-750-familias

[5] http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/03/haddad-declara-terreno-no-jd-iguatemi-como-area-de-de-interesse-social-e-barra-reintegracao-de-posse/

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