[Daniela Mendes, Senhorita Moustache]
Aviso aos navegantes: o amor acaba de repente assim como também começa. Inclusive até por um detalhe bobo, ou pelo mal entendido sem direito a defesa, como é o caso de Camille (Brigitte Bardot) em Le Mépris. Eu não saberia dizer ainda, mas penso que este é o meu Nouvelle Vague preferido. Só não tenho certeza por amar tanto quanto Vivre sa Vie e por Le Mépris ter caído como uma luva no meu momento presente. Doeu gostoso e deu uma chacoalhada no meu inferno astral.
Um aspecto acima de todos os outros me chamou atenção, mais até do que o Fritz Lang atuando: a mudança de comportamento de Camille e como Paul (Michel Piccolli) fica completamente perdido, sem saber lidar com aquela mulher. Isso me sugeriu uma ideia bizarra e verídica. A de que só conhecemos nossos parceiros quando eles estão apaixonados por nós. Se isto se quebra, deixamos de reconhecê-lo. O que também significa que só conhecemos o outro a partir de uma perspectiva narcísica. Não via de regra, acredito ser possível um caminho diferente, mas esse modelo é o que mais acontece por aí.
Eu estava com uma pessoa que acreditava que um casal se manteria junto a partir de uma relação de troca. Eu te dou isso e você me dá aquilo. Então eles viveriam em paz numa relação muito cômoda, de papéis definidos. Mas eu não acho que deva ser assim. Um amor não deve servir para nada além da companhia e aprimoramento pessoal. Pessoas são diferentes, anyway, não estou aqui para condenar a felicidade de ninguém. Algumas hão de achar que seu valor está naquilo que faz. Outras vão achar que seu valor está naquilo que são. Outras acharão que elas são aquilo que têm e etc. Não há como catalogar pessoas. Mas elas se unirão pela motivação similar entre elas e não pelo fato amoroso em si, que seria um dentinho separado, um beijo tipo babaloo… A isto cabe apenas a paixão. E casos vários de pessoas aparecerão nas entrelinhas de Le Mépris. Mas é Camille que, para mim, traz o que me saltou mais aos olhos na trama. E não só porque é a Bardot e a personagem principal. É só lembrar do início do filme, o diálogo com Paul, que você já começa a remoer. Ela pergunta…
– Vês os meus pés no espelho?
– Vejo.
– Achas que são bonitos?
– Acho. Muito bonitos.
– Gostas dos meus tornozelos?
– Gosto.
– Também gostas dos meus joelhos?
– Sim. Gosto muito dos teus joelhos.
– E das minhas coxas? -Também.
-Vês o meu traseiro no espelho?
-Vejo.
– Achas que as minhas nádegas são bonitas?
– Acho, muito bonitas.
– Queres que me ajoelhe?
– Não, está bem assim.
– E gostas dos meus seios?
– Sim. Muitíssimo.
– De que é que gostas mais, dos meus seios ou dos mamilos?
– Não sei. Gosto de ambos.
– E os meus ombros. Gostas deles?
– Gosto.
– Não os acho redondos bastante.
– Eu acho.
– E gostas dos meus braços?
– Gosto.
– E da minha cara?
– Também.
– Tudo? A minha boca, os olhos, o nariz, as orelhas?
– Tudo.
– Então amas-me totalmente?
– Sim. Terna e tragicamente.
– Eu também, Paul.
…Camille não entende Paul. Sua posição é a de uma Penélope rebelde, esposa de Odisseu, Ulisses, na mitologia Greco-Romana, implacável no que acredito ser um mal entendido. O que ela decide, seu desenvolvimento na trama, obedecerá a uma lógica não clássica, mais contemporânea. Ao romper-se o sentimento narcisista pelo marido, quebrado pela certeza de que ele a usava para fechar um contrato como roteirista de um filme, passa a desprezá-lo. E o amor de Penélope, tão idealizado através dos tempos como a esposa ideal que espera fielmente e tem papel fundamental na reconquista do reinado de Ulisses, é desconstruído. “O homem pode rebelar-se contra as coisas más ou injustas. Devemos fazê-Io se somos apanhados pela circunstância ou pela convenção.”, ela lê num livro do Lang em certa hora do filme para o marido.
O final vai trazer o que eu falava no início. O impacto da cena nos causa isso: o ser amado, quando nos deixa de amar, deixa também de existir, no sentido de fazer sentido, e passa a ser um espectro deixando um vazio nas coisas mais belas. Claro tem toda discussão sobre o trágico, se podemos ou não escapar a ele, etc etc. Mas o que mais me chamou atenção foi isso
* Texto publicado originalmente no Blog da autora http://senhoritamoustache.blogspot.com.br/2013/08/a-escolha-de-camille.html
REALIZAÇÃO Jean-Luc Godard
COM Brigitte Bardot, Fritz Lang e Jack Palance
ARGUMENTO Jean-Luc Godard
TÍTULO ORIGINAL Le Mépris
GÉNERO Drama
PAÍS França, Itália
ANO 1963
DURAÇÃO APROX 1h45
http://www.imdb.com/title/tt0057345/
“Theme de Camille – Georges Delerue”
[N.E] Abaixo links para blog´s que disponibilizam o filme.
http://laranjapsicodelicafilmes.blogspot.com.br/2012/05/o-desprezo-1963.html
http://sonatapremieres.blogspot.com.br/2012/11/o-desprezo_2738.html
http://vlady-midownload.blogspot.com.br/2013/05/desprezo-le-mepris-dvdrip-rmvb-legendado.html
http://isohunt.com/torrent_details/52313175/?tab=summary