[Paulo Gajanigo]
“Há esperança suficiente, infinita – mas não para nós.” Franz Kafka
Das atuais expressões que viraram moda, “só que não” foi a que mais me agradou, de imediato. Gosto de sua acidez. Usa-se depois de uma frase afirmativa, o enunciador espera um instante para fazer soar o eco sólido da sentença, e então profere: “só que não”. O que, se bem usado, gera um suflar desiludido do ouvinte. Por um segundo acreditou!
A repetição dessa expressão leva ao absurdo a pouca crença que temos nas afirmações; sua generalização registra, estatisticamente, as ocorrências de nossas desilusões cotidianas. Quantos “só que não” sentimos sem dizer? Como levar a sério as frases que ouvimos a todo tempo, das promessas do poder público, passando pelos anúncios de produtos, até as promessas de amigos? Por meio do “só que não” tomamos consciência do nosso obrigatório cinismo diário, do fato de que há muitas coisas que fazemos sem acreditar. Ou melhor, fazemos como se acreditássemos.
O cinismo tem seu perigo. Nos protege, mas, por nos permitir agir sem que acreditemos de verdade, ele é um dispositivo essencial para manter a ordem num mundo onde o rumo coletivo está bem distante de nossas intenções individuais. Um mundo que não nos agrada e ao mesmo tempo não vemos como ele pode se aproximar de nossas vontades e interesses.
Sérgio Cabral, no início do ano, disse que o prédio do antigo Museu do Índio deveria ser demolido para que o Maracanã se adequasse às demandas da Fifa. Só que não. A Fifa desmentiu logo depois. Esse “só que não” é o revelador do cinismo frequente dos discursos dos dominantes. Esses discursos se baseiam na impotência do ouvinte. Não importa se a explicação dada por Cabral é sólida, o que ele busca é uma frase protocolar que não desnude os verdadeiros motivos de suas ações, pois está seguro da impotência de seus ouvintes. O “só que não” aqui é nosso lamento, nossa forma de manter alguma dignidade, tal como quando xingamos o motorista de um carro que não respeitou a faixa de pedestre quando queríamos atravessá-la. Não nos ouviu, mas gritamos, menos por ele, mais para nós, para sentir que reagimos.
Sérgio Cabral fala muito. Depois de desistir da demolição do prédio do Museu do Índio, disse que iria transformá-lo em Museu Olímpico. Só que não. Disse que seria necessário derrubar o estádio Célio de Barros, o parque aquático Júlio Delamare. Só que não. Disse que a privatização do Maracanã é a melhor forma de gerir o espaço. Só que não.
Não derrubará mais esses prédios, cogita seriamente reverter a privatização. Este “só que não” já não é o mesmo. O “só que não” aqui não revela uma afirmativa mentirosa. Revela uma mudança de situação. Os aparentemente impotentes encurralaram o governador. O tom deste “só que não” é outro. O primeiro tem o trabalho dos fungos, vai mofando os discursos empostados dos poderosos, é desiludido. O segundo é um canto em coro, tem o trabalho do carpinteiro, faz existir algo que era só desejo até então. Suspeito que o primeiro tenha ajudado o segundo, ou seja, que a resistência e o deboche diários, por vezes patéticos, do fraco alimentam seu dia de forte.
De todo modo, o fato é que vimos, nesses belos dois meses, o momento em que o “só que não” se deslocou das palavras para a ação.
Concordo ^^ O “só que não” ganhou uma resposta, o “só que sim”. Um jeito de retrucar
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Adorei o artigo! Perfeito! Só que sim! 🙂
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