[Renata Meirelles]
Se os mais céticos ainda questionavam se Comissão da Verdade daria o que falar, a convocação do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra não deixou espaço para dúvidas. Sua presença repercutiu na imprensa ao resultar na mais tumultuada sessão da Comissão desde que foi instaurada há um ano, reacendendo o debate sobre a história recente do Brasil. Surpreendendo os integrantes da Comissão, o coronel, que havia conseguido um habeas corpus que lhe daria o direito de se calar, negou ter violado direitos humanos enquanto chefiava o DOI-CODI nos anos 1970-74 e afirmou ter cumprido com muito orgulho a sua missão de combate ao terrorismo, evitando dessa forma que o Brasil se tornasse, nas suas palavras, um “Cubão”.
Inconformado diante das declarações de Ustra, que negou ter participado ou ter conhecimento das perseguições, mortes e torturas contra presos políticos que lutaram contra o regime militar, o integrante da Comissão Claudio Fonteles o confrontou com documentos que atestavam mais de 50 mortes no DOI-CODI durante o tempo em que o órgão esteve sob o comando de Ustra. Propôs que o coronel fizesse uma acareação com o vereador Gilberto Natalini (PV-SP) – presente na sessão –, que o acusou de tortura. “Não faço acareação com terrorista”, disse Ustra. Foi então que o vereador Gilberto Natalini se levantou e, dirigindo-se ao coronel, reagiu: “O terrorista é você”, e completou: “Terrorista e torturador”. O que o embate entre os dois mostrou é que, embora assim chamada, a Comissão Nacional da Verdade está muito longe de lidar com um tema consensual. Afinal, quem são os terroristas? Quais são as verdades sobre o período da Ditadura no Brasil?
A Comissão Nacional da Verdade foi instituída em 18 de novembro de 2011 com o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar. No dia 10 de maio de 2012, foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff a lista de sete pessoas que a integrariam: Cláudio Fonteles, Procurador-Geral da República entre os anos de 2003 e 2005, e membro da organização de esquerda Ação Popular, nos anos 1960; Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça e membro do Tribunal Superior Eleitoral desde 2011; José Carlos Dias, Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso; José Paulo Cavalcante Filho, advogado, consultor e escritor; Maria Rita Kehl, psicanalista, cronista e crítica literária; Paulo Sérgio Pinheiro, diplomata e sociólogo da Universidade de São Paulo; e Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada criminalista, professora e escritora.
O objetivo da Comissão é colaborar com as instâncias do poder público para a apuração de violações de direitos humanos, enviando aos órgãos públicos competentes dados que possam auxiliar na identificação de restos mortais de desaparecidos e que trabalhe no sentido de identificar os locais, estruturas, instituições e circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos no âmbito dos aparelhos estatais e também eventuais ramificações na sociedade civil. Para tal, a Comissão tem o direito de convocar vítimas ou acusados das violações de direitos humanos para depoimentos, ainda que a convocação não tenha caráter obrigatório, e a acessar todos os arquivos do poder público sobre o período. Não terá, contudo, o poder de punir ou recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos. A Comissão atuará durante dois anos e, ao final desse período, publicará um relatório com os principais resultados, que se tornará público ou não, a critério da presidente Dilma.
Verdade seja dita, o Brasil demorou a se posicionar sobre as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito do aparelho estatal, os chamados “crimes de estado”. Em 2005, a Argentina, após decisão de sua Corte Suprema de Justiça, revogou as leis de ponto final (Lei 23.492/86) e de obediência devida (Lei 23.521/87). No Chile, o Decreto-Lei 2191/78, que previa anistia aos crimes da Era Pinochet, foi também invalidado. No Brasil, a decisão de instaurar a Comissão Nacional da Verdade não pode ser explicada somente em face do ambiente em tese mais favorável proporcionado pelo governo Dilma – mais sensível à causa dos direitos humanos –, já que a presidente militou em organizações de esquerda durante os anos 1960 e 1970. Torna-se importante compreendê-la à luz de uma série de pressões, tanto de grupos de familiares de mortos e desaparecidos, quanto internacionais, em função do crescente processo de internacionalização dos direitos humanos.
Nesse sentido, contribuiu para a instituição da Comissão Nacional da Verdade a sentença de novembro de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) –, que condenou o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) a indenizar os familiares das vítimas, considerados desaparecidos políticos; investigar os crimes cometidos durante a Guerrilha do Araguaia; localizar e identificar as vítimas ou seus restos mortais; permitir o acesso aos arquivos históricos e a divulgação de suas informações, dentre outras medidas. A CIDH foi além: considerou que a Lei de Anistia brasileira impede a investigação de graves violações de direitos humanos, incompatíveis com a Convenção Americana, da qual o Brasil é signatário, e determinou que o Brasil conduzisse a investigação penal do caso Araguaia.
Como se sabe, até então, das três principais recomendações da CIDH – o direito à justiça, o direito à verdade e o direito à reparação –, o Estado brasileiro apenas cumprira suas obrigações no que se refere às indenizações às vítimas. A instauração da Comissão da Verdade, nesse sentido, responderia parcialmente às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil em defesa dos direitos humanos.
Se até a convocação de Ustra, as atividades da Comissão Nacional da Verdade haviam transcorrido sem maiores sobressaltos, o embate travado entre os presentes na seção mostrou diferentes verdades sobre os eventos da história recente do país. Isto, entretanto, não invalida o propósito da Comissão: a investigação de violações de direitos humanos ocorridas no âmbito do aparelho do Estado. A investigação e a divulgação dos trabalhos realizados pela Comissão podem lançar luz sobre um período que permaneceu esquecido durante muito tempo. A partir do conhecimento dos fatos, pode-se ter mais clareza que o Estado brasileiro, durante os 21 anos de regime militar, faltou com suas obrigações de garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos: o direito à vida, à segurança e de não ser submetido à tortura. Afinal, quem foram os terroristas?
eu acho que o Brasil demorou tanto para instaurar essa investigação, que deixou os monstros livres para entrar na política, isso faz do Brasil o que é hoje.
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Me pergunto porque a Comissão da Verdade (sic) só esta atrás dos militares ?
Cadê os políticos da antiga ARENA ? Cadê o Marin ? Cadê o Maluf ? Cadê a corja toda de coniventes, apoiadores e colaboradores ? Será que é só pra enfraquecer e desacreditar os militares ? E os crimes dos “revolucionários” ? Quando ?
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Cara de pau foram aqueles que mataram 119 pessoas em assaltos a bancos, comércio, indústrias, taxis, sequestros, justiçamentos (tribunal revolucionário onde se decidia pela vida ou pela morte de quem abandonava a luta armada, delatava ou desertava), explosões com bombas em repartições públicas, pelas costas, por engano e tortura. Fora uma centena de mutilados e inválidos.
Gonçalo Jr Campos Hoje, estes ahe recebem a bolsa ditadura. Garanto a voces que nenhuma das vítimas desses caras recebem tal benefício. Vejam e assistam. Se tiverem coragem para conhecer o outro lado da história: http://www.youtube.com/watch?v=1OLG9NtXSAY
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Houve mortes de brasileiros inocentes. Serão apuradas? Seria o Brasil melhor, a oposição armada virasse o jogo? Esses mesmos caras não estaríam ganhando o que ganham. O Brasil hoje está orfão de autoridade, exemplos.
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