É Pelo Umbigo Que se Come

[José Eisenberg]

Não seria necessário invadir os documentos do JSTOR disponibilizados por amigos de Aaron Swartz para encontrar este documento. Mas foi assim que o descobrimos. Afinal, ciência é divulgação. E a base de artigos da Royal Society, com 35GB e todos os textos publicados por esta  prestigiosa instituição londrina até 1923, é evidência de que os jovens engajados em iniciativas desta natureza fazem um serviço a ciência, mesmo que cientistas-autores continuem achando que têm direitos de propriedade sobre a ciência que produzem. Ironicamente, o arquivo que disponibilizaram contém somente textos em domínio público, o que torna o protesto que seguiu o suicidio de Aaron Swartz um gesto simbólico ainda mais potente.

Escolhemos publicar este facsimile pelo seu significado histórico e atual. Trata-se, antes de mais nada, de evidência do momento em que a biologia humana confirmava suspeitas de que a nutrição do feto de mamíferos no ventre é somente parenteral, isto é, pelo cordão umbilical, sem participação da alimentação oral. Trata-se também de um momento singelo em que podemos ver cientistas colaborando para recolher evidência da hipótese que então ganhava contorno de verdade.

Sam Brady (desculpem a intimidade) envia um filhote de cão empalhado para o Dr. Cockburn. O filhote disforme, sem orificios na cabeça para acesso ao trato digestivo – sem olhos, nariz ou ouvido, havia nascido vivo, dando clara evidência de que sua nutrição no ventre havia sido somente parenteral. Mr. Brady pede desculpas pelas qualidade da evidência, já que faltavam ossos e camundongos haviam atacado o cão natimorto. Envia-o, entretanto, para que seu colega analize, convicto de que se tratava de evidência suficiente para afirmar que, até nascer, é pelo umbigo que se come.

Ciência é divulgação. E Aaron Swartz estava engajado em uma cruzada de divulgação. Mr. Brady também. Enquanto houver cidadãos cosmopolitas como eles, há esperança de uma ciência colaborativa, livre das miopias que a doutrina da propriedade privada impõe sobre seu desenvolvimento.

Mr. Brady deu um cão deformado de presente para Dr. Cockburn. Sem ultrassom, ressonância ou qualquer instrumento para ver o que acontece no utero de um mamífero, produziu uma evidência. Em fragmento singelo de uma simples carta, compartilhou. Dr. Cockburn curtiu. Certeza. Nós também.

Parte de uma carta de Mr. Samuel Brady, ao Dr. William Cockburn, F.R.S. reportando um cachorrinho no ventre que não recebeu nenhuma alimentação pela boca.

(Philosophical Transactions, 1704)

Ref:      doi: 10.1098/rstl.1704.0108

Phil. Trans. 1704 vol. 24 no. 289-304 2176

Número catálogo Swartz: 00-00010360.pdf

[N.E.] Baixar a carta em inglês  00-00010360

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