Soy Contra el Blogueo Económico

[Beto Vianna]

Prólogo I

Já ouviu falar do caso da blogueira cubana? Pois é. Você e gente demais. Vezes demais. Por isso eu peço sua licença para, em nome do contexto e o contraste que o assunto merece, começar falando de outras coisas bem diferentes e só muito superficialmente parecidas com o caso da blogueira cubana.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o blog Falha de S. Paulo vai continuar fora do ar. Como quase bem diz o nome, o blog parodia o jornalão da família Frias, satirizando, e daí, criticando, os muitos deslizes da Folha. Pois a Folha entrou na justiça com uma alegação comercial: a marca do blog espelhava a marca do jornal. Nem uma palavra sobre vozes silenciadas, sobre opiniões amordaçadas, o velho assunto da liberdade de expressão. Assunto tão velho que, deste texto em diante, me abstenho de repetir o maltratado termo.

Voltando um pouquinho no tempo, no dia 7 de dezembro passado, o “7D” não vingou. Era a data marcada pra entrar em vigor, na Argentina, a Ley de Medios, uma reforma agrária no terreno midiático, que garante cerca de um terço das frequências aos veículos sem fins lucrativos (como os comunitários e educacionais). O latifúndio tem seu maior representante no Clarín, uma espécie de Rede Globo hermana que, além de fazer circular o principal jornal do país, engole de 40 a 60% dos mercados de rádio, TV aberta e TV a cabo. É curioso não só o monopólio em si, mas o poder de fogo que um negócio desse tamanho dá ao negociante. Fogo suficiente pra deixar o 7D em banho-maria, apesar do apoio maciço da (ou o maciço restante da) sociedade argentina.

Vamos retroceder um pouco mais. Em julho de 2010, o site WikiLeaks, de Julian Assange, divulga documentos do Exército americano sobre a guerra do Afeganistão. Um mês depois, a justiça da Suécia expede dois mandados de prisão contra Assange, por estupro e agressão sexual. Com as declarações atenuantes da suposta vítima, a justiça retira a ordem de prisão, mas volta atrás em setembro. Em novembro, as autoridades suecas pedem à Interpol a captura e a extradição de Assange. Em 28 de novembro, o WikiLeaks divulga mais de 250 mil documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, desnudando os comportamentos de espionagem mais escabrosos. Dois dias depois, a Interpol distribui pelo mundo, uma “notificação vermelha”, tratamento só dispensado a facínoras de alto calibre. Extraditado para a Suíça (onde é aguardado com o reaceso processo de estupro), Assange arrisca-se a ser julgado como cyberterrorista e a passar o resto dos seus dias em Guantánamo, base norte-americana situada em uma ilha chamada Cuba.

Há histórias ainda mais antigas. Em 2003, o estudante de comunicação da UFMG, Marcelo Baeta, recebeu uma lista de jornalistas demitidos a pedido do governador de Minas, Aécio Neves, ou, mais precisamente, a mando da primeira dama da comunicação mineira, Andreia Neves. O caso mais conhecido (dentre muitos) foi o de Marco Nascimento, que, quando era diretor de jornalismo da TV Globo Minas, havia feito uma matéria desfavorável ao governo. Em 2004, o governo mineiro lançou uma campanha para anunciar o “déficit zero” no Estado. Marcelo Baeta sacou que a matéria do Jornal Nacional sobre o assunto era idêntica à campanha oficial, mesmo em minúcias do texto: “Minas Gerais superou uma década no vermelho”. Esse mexidão midiático de censura à imprensa, matérias pagas no noticiário e demissão de profissionais dissonantes virou prato feito para um escândalo que, claro, nunca alimentou o grande noticiário. Como trabalho de conclusão de curso, o aluno fez um documentário que ficou popularíssimo, e nem por isso noticiadíssimo, no YouTube. Traz o singelo nome, tão ao gosto do saudoso Tancredo Neves, de “Liberdade, essa palavra”. É só clicar por lá e apreciar: http://www.youtube.com/watch?v=UqEimwCupsQ.

Prólogo II

 

As quatro historietas acima, que vão do recente ao nem tão recente, que percorrem o nacional, o global e o meu próprio bairro (sou, afinal de contas, mineiro) são variações de um mesmo tema, que enxergo assim: a independência entre o meio utilizado (a mídia) e os propósitos da comunicação. Desde uma conversa de botequim até o press release de uma prestigiosa agência internacional de notícias, a pergunta mais interessante a se fazer é o que se quer com esse papo todo: a que serve, ou a quem serve, o “mal que sai da boca do homem”.

Mas, se é assim, não haverá nenhuma diferença entre o que é veiculado por uma potência da comunicação (a Globo, o Clarín, um blog popular) e um fofoqueiro da esquina? Sim, muita, mas insisto que a diferença continua residindo no propósito daquele que veicula a notícia. Mal parafraseando o teórico da comunicação McLuhan, a mensagem é o meio do meio. Se a música que toca em seu aparelho é ruim, tanto pior se o amplificador for potente. Leis restritivas e tentativas de controle sobre os conglomerados midiáticos nas chamadas democracias ocidentais (como na Inglaterra e nos EUA) são o reconhecimento de que há propósitos um tanto suspeitos na imprensa dita livre, e o mundo pode ser um lugar mais seguro se ela abrir a boca com menos frequência.

Reconheço, ainda (as histórias que contei reconhecem), que há uma tensão entre uma velha e uma nova ordem da comunicação. A velha ordem, em termos contemporâneos, é representada pelo tripé tradicional – rádio, jornal e TV -, historicamente nas mãos de grupos econômicos poderosos, oligarquias regionais e nações de primeira grandeza. Na nova ordem, modos alternativos de expressão ganharam os caminhos abertos pela web. O blog é alternativa democrática aos monopólios da imprensa e dos governos, o twitter é alternativa democrática às agências de notícia, e, outras redes sociais, alternativa (nem sempre democrática, mas ao menos bem amplificada) para o burburinho da sociedade.

O blog Falha de S. Paulo é uma alternativa bem-humorada de conteúdo, de ideologia, de propósito, à poderosa Folha. O blog não tem lá um amplificador de muitos watts, e nem precisa: é a boa qualidade da música que ele toca (se você me permite ser tendencioso) que motivou a ação judicial da Folha, acostumada como está, pela histórica inflação de poder da “imprensa livre”, a fazer-se ouvir sozinha.

Na Argentina, o Clarín não quer largar o osso e ainda consegue mantê-lo na boca, apesar do grosso da sociedade daquele país já ter percebido que muitas vozes são mais benéficas que uma só. Podemos tentar responder a seguinte pergunta: se o Clarín fosse uma rede de mídias mais comprometida com a população, orientada para o bem-estar físico e cultural das pessoas, a sociedade argentina estaria tão ansiosa para desmantelar (ou democratizar) seu arsenal de amplificadores? Eu desconfio que não.

Julian Assange arrumou um belo de um amplificador: a divulgação de documentos top secret dos EUA. Podemos mesmo dizer que a sua mensagem é constitutiva da potência do meio. A internet tem dessas coisas. O conteúdo do Wikileaks é tão importante para muitos, e tão desagradável para outros (esses, bem mais aparelhados na arte da repressão), que exige dos ofendidos uma reação à altura, retirando, por todos os meios, os meios de sua expressão. Prenda-se. Arrebente-se. Cale-se. Para isso (e a eles, aos ofendidos) servem a justiça e a polícia. Law & Order.

Finalmente, em minha montanhosa Minas, a situação é tão bizantina que me custa mais trabalho defender a independência da mensagem. O governo controla os meios, os meios controlam as mensagens. E ai de quem romper esse pacto católico. Restam, aos dissidentes, uns tantos “blogs sujos” e outros canais de expressão alternativos e menos bem pagos, principalmente na internet (as redes sociais são, nesse caso, apenas um palco reticente de batalhas menores – não há espécie animal mais bem adaptada à ecologia do Facebook que a tradicional família mineira e seus filhotes superficialmente transviados).

O caso da blogueira cubana

 

Quando menos se espera, surge a anomalia. Anomalias são danadas de educativas. Elas nos ajudam a entender como o sistema funciona, ao nos mostrar o sistema funcionando do jeito errado.

Há séculos, milênios, a propaganda e a contrapropaganda são armas utilizadíssimas nas guerras políticas. Nada mudou com as novas mídias, a não ser… as novas mídias. Na guerra fria, muito mais que as transmissões de rádio e de TV, que os satélites, os cabos telefônicos e os terminais de telex, era o exaltar do componente ideológico que servia, ele mesmo (a mensagem!), como amplificador das certeza nos corações e mentes dos peões de ambos os blocos.

Vou tomar partido, pois a mim ainda soa claro (perdoe se soo antiquado) que um desses lados tem motivações econômicas mal confessadas por trás de termos vazios (ou esvaziados) como “democracia”, “liberdade” e “oportunidade”. Concordo com Darcy Ribeiro quando ele diz que, muito antes da guerra fria, vivia-se já na América Latina a exploração organizada de gentes, levada a cabo por associações capitalistas com endereço comercial conhecido: os EUA. Não há histeria no mito do “Império”. Se apertar a curiosidade, dê uma olhada (pode ser na Wikipedia) nos últimos 150 anos de qualquer país latino-americano: Brasil, Argentina, México, Chile, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Haiti, Cuba… Em graus diferentes, você vai tropeçar num festival explícito de horrores, desde interferências nas soberanias até controle ou manipulação da imprensa, financiamento secreto de grupos políticos e paramilitares, assassinatos, torturas, desaparecimentos, genocídios, o escambau. O objetivo disso tudo era e é aumentar a participação de grupos econômicos norte-americanos na exploração das gentes e dos recursos desses países. Estou aberto, é claro, a leituras diferentes.

Por outro lado, a América Latina nunca foi presa fácil. Darcy também nos conta (acho que em As Américas e a Civilização) que nós praticamente inventamos a maioria dos modos de se fazer uma revolução, a revolta organizada contra a opressão. Nossa história está repleta de Martís, Bolivares e Guevaras, gente infelizmente (mas não surpreendentemente) pouquíssimo estudada nos bancos de escola brasileiros.

Cuba tem uma história especial nessa história. Vizinha quase siamesa do Império, a ilha foi candidata a quintal produtivo dos EUA desde a mais tenra idade, desde antes da independência da Espanha. Seguindo uma série de lutas, de reveses e de revoltas que culminaram na Cuba revolucionária dos anos 50, a grande ameaça que a ilha – no grande contexto que defendo aqui – representa para os EUA não é, por definição ou princípio, a “ideologia comunista”. Ou uma ameaça à democracia. Ou à liberdade. É o propósito da ilha (como é, hoje, o propósito da maioria das democracias latino-americanas), desde a revolução, de viver para si própria, de que sua gente viva para si própria e, não, para um agente econômico externo.

O bloqueio econômico imposto pelos EUA não é uma resposta à Cuba comunista, assim como não houve bloqueio americano à antiga URSS ou, agora, à China. Trata-se de perder o quintal. E, pelo menos até agora, os EUA perderam esse quintal, ainda que à custa de muito sacrifício por parte do povo cubano. Sacrifício por conta do bloqueio, e, não por conta de um regime “de fome”. Essa última descrição bem melhor se aplicaria ao Brasil do século XX. Quem sente arrepios de indignação com a situação cubana não circulou o suficiente por nosso próprio país.

É claro que há o componente ideológico. É claro que há o movimento de propaganda e contrapropaganda da ilha para fora, tanto quanto de fora para a ilha. Há uma imprensa cubana controlada pelo governo? Sim, é o que nos aparece, se entendermos “controle” como a manutenção de um meio para as mensagens de governo, ou, posto de outra forma, se nos assombramos ao ver um órgão de imprensa que não é propriedade privada de ninguém (sabemos, em Minas, no que essa relação pode dar). A pergunta bastante razoável, como fizemos para o Clarín, é: por que não assistimos os cubanos arrancarem os cabelos ao se verem tolhidos em suas liberdades individuais de (ops, lá vem aquele termo) expressão? Ou os cubanos viraram dóceis cordeiros após a última revolução, ou Fidel inventou aparelhos de repressão particularmente eficientes na ilha. Nem um nem outro. Certos ou errados, os cubanos – o grosso da população cubana -, com seu nível de escolarização (e de educação, no sentido amplo) bem acima da média latino-americana, mostram-se muito mais identificados com os projetos realizados e comunicados pelos meios disponíveis. Que, aliás, se é que temos o direito de não acreditar em nossa própria imprensa livre, não se resumem ao Granma.

Do lado de fora da ilha, o exercício de propaganda e contrapropaganda sempre foi bastante ativo. O rádio, o jornal, a TV, e agora a internet em todas as suas manifestações, todo e qualquer meio sempre foi utilizado. Esse movimento é velho como a revolução, e sempre foi, sabidamente, financiado pelos EUA, de uma forma ou de outra. Seja mais abertamente, por fundações, instituições ou associações de americanos direitistas ou cubanos dissidentes adotados pelos EUA, seja na moita, pelo Departamento de Estado. Os blogs, é certo, deram novo alento à propaganda, driblando, dentro da ilha, a imprensa oficial. Mas o conteúdo desses novos amplificadores se repete monotonamente há 50 anos. Os mesmos clichês sob o sol. A ditadura de Castro, a imprensa amordaçada, el paredón, o sucateamento da tecnologia, a pobreza dos cubanos… Navegue pela internet, está tudo lá, como em rolos de papiro. Uma oposição fabricada, financiada desde fora, tem poucas chances de renovar suas mensagens (os propósitos são alheios), pouco importa quão potentes sejam seus amplificadores Mesmo as mentiras mais sinceras precisam de um caldo de cultura natural para vicejar.

Mas, então, não haverá espaço aqui para uma anomaliazinha? Uma mensagem com cara de nova, com jeito e cheiro de nova, de vestido novo, ainda que, é claro, não seja nada disso? Acho difícil. Uma ditadura com tanta eficiência opressiva sobre os meios e as mensagens não iria tolerar uma voz dissidente vivendo em solo cubano (quando quer), ou viajando pelo mundo (quando quer), ganhando milhares de dólares e prêmios na estrutura midiática do mundo livre e, como se esses meios não bastassem, detentora de um blog de repercussão mundial, traduzido em dezenas de idiomas, e um pós-moderno amplificador twitteiro com mais de 200 mil seguidores. Isso sem falar no caso da blogueira cubana.

5 comentários sobre “Soy Contra el Blogueo Económico

  1. só agora entendi o fenômeno da blogueira cubana. eu escrevi (meio tímido, confesso) sobre coisas que acontecem aqui e ali, e ninguém deu a mínima bola. o outro artigo, que fala gravemente dos “dissidentes” (mas que dissidentes???) teve vários comentários, contra e a favor. o hoje público das mídias sociais é o renovado público das novelas cavalheirescas do século XVII e das novelas globais do século XX: se for bela e espinhosa a rosa, da rosa se fala.

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  2. Emocionante artigo. Delicioso exercício de ver as coisas com mais verdade, dentro do contexto em que elas existem. Como sempre, Beto Vianna nos convida a refletir fora “da casinha”, facilitando a reflexão com riqueza de informações e uma escrita que consegue ser suave mesmo quando lança “chispas”. Parabéns!

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    • obrigado pelo comentário generoso, renata barbosa. só tenho um pouco de receio de se pretender, dizendo o que a gente diga, dizer essa tal “verdade”. é em nome dela que as mentiras mais danosas saem de nossas bocas. porque a gente pode e sempre vai errar (dizendo ou fazendo as coisas), às vezes até causando daño às pessoas que a gente mais ama. mas a mentira, ou seja, o dizer aquilo que a gente mesmo não acredita, isso, sim, é uma tristeza que queima pra sempre a convivência. por isso tenho tanta convicção que os meios (seja um grito, a TV, ou a internet) sejam só meios. a ferida começa – e se abre – com aquilo que se diz. um grande abraço pra você, e seja feliz, o mais que puder.

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  3. Gostei muito. Estive em Cuba 4 vezes, e aproveitei tudo que pude no que diz respeito a perguntar, viajar por lá e observar e tentar perceber. Inclusive uma coisa curiosa foi a televisão. Na época só passava Fidel Castro, novela brasileira e filme americano.
    O que chega pra gente sobre Cuba é pura perturbação. É o mesmo que as armas de destruição em massa iraquianas que nunca foram encontradas, só porque não existiam.
    A gente precisa mesmo de des-ler as coisas pra aprendê-las pelas bordas. Belo texto.

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