[Fernando Filgueiras]
“Força na peruca! Família unida com o senhor”. Expressão estranha essa. Ela pressupõe que a peruca pode dar força, mas o fato é que quem usa peruca já está com os cabelos fracos. Logo, que força é essa que nos causa tanto estranhamento? Confesso que recorri ao dicionário para tratar de compreender essa expressão, mas não fui feliz em minha busca. Quando não é possível recorrer aos meios formais, busquei a expressão no Google, que, como bom oráculo que é, me retornou a definição de “força na peruca” por meio do Dicionário Informal. Está descrito em tal dicionário: palavras de estímulo para si mesmo ou para outrem, a fim de que continue fazendo o que precisa ser feito. Intrigante a definição. Mas vamos à peruca que importa.
A peruca, aqui referida, trata de uma mensagem de estímulo da afilhada do ex-senador Demóstenes Torres ao próprio, quando da seção de cassação do mandato no plenário do Senado Federal. Em tempos de transparência, nem mesmo uma inocente mensagem de estímulo passa encoberta ao escrutínio público. A mensagem, em si, é inocente. Mas reveladora de certo estado de espírito que acomete o Brasil recentemente. Sendo assim, a desconstrução da peruca de Demóstenes é mais do que necessária.
Em primeiro lugar, a peruca. Antes do imbróglio da cassação, Demóstenes era considerado um senador influente e, na oposição, compunha um dos mais ferozes e eloqüentes opositores ao Partido dos Trabalhadores, tendo em vista, principalmente, o mote do mensalão e suas adjacências. Na oposição, compunha uma perspectiva moralista sobre a corrupção no Brasil, com retórica eloqüente e rebuscada de metáforas. Antes mesmo de sua carreira política, Demóstenes construiu toda uma carreira dentro do Ministério Público de Goiás, tendo chegado ao posto de Procurador-Geral. Com a visibilidade deste posto, foi guindado ao Congresso Nacional e lá constituiu uma carreira política que tinha tudo para ser promissora, especialmente considerando o contexto do mensalão e a dissolução ética do PT.
Mas ao que parece, Demóstenes Torres guarda destino semelhante ao seu homônimo grego. Demóstenes, o grego, foi um profundo e eloqüente orador e retórico do século IV A.C., especialmente dedicado à defesa de Atenas contra Filipe da Macedônia. Demóstenes, o grego, queria arregimentar os gregos contra a Macedônia, antes que Atenas perdesse a sua liberdade. Filipe invadiu Atenas e mais tarde a Grécia se viu sucumbida ao domínio de seu filho, Alexandre, o Grande. Demóstenes saiu de cena quando foi condenado por ter aceitado propina de um funcionário de Alexandre. Com a morte de Alexandre, Demóstenes retorna ao mundo público participando da revolta dos gregos contra os macedônios. Como a revolta falhou, Demóstenes, cercado por soldados macedônios, suicida-se no templo de Poseidon, Deus da vingança e dos terremotos.
A peruca de Demóstenes guarda semelhanças. Demóstenes sai temporariamente de cena quando foi envolvido com o contraventor Carlinhos Cachoeira. Na operação Monte Carlo, há várias escutas da Polícia Federal, inclusive aquela em que ele, Demóstenes, o brasileiro, aceita presentes e favorece o bicheiro em seus interesses. A força da peruca está nos tentáculos da corrupção no Estado e na sociedade brasileiros. E aí entra em cena o segundo aspecto.
“A família unida com o senhor” é a própria violação da distinção entre o público e o privado. Claramente se percebe que o familismo amoral brasileiro não dá conta de perceber que uma sessão pública no Senado não comporta tal expressão. Mas em um contexto em que o suplente de Demóstenes será o ex-marido da atual esposa de Carlinhos Cachoeira, não há outra coisa a dizer: a família está unida com o senhor. O Senado Federal, onde tradicionalmente se espera a virtude conservadora da prudência, tem sido tomado pelo familismo. Não esqueçamos do escândalo Renan Calheiros, o qual viu Demóstenes sangrar na tribuna do Senado, e esteve, há pouco, envolvido com um escândalo familiar.
A corrupção no Brasil tem se espraiado para diversos campos e atores. Mas o que alinhava os diferentes escândalos de corrupção no Brasil é o fato de que núcleos familiares são personagens ativos e importantes dessa tragédia. Não esqueçamos também das viagens a Paris, em família, do governador Cabral e Cavendish. O mundo privado certamente prepondera no mundo público e faz com que a corrupção seja uma marca indelével de nossa política. O que resta?
Resta a força da peruca de Demóstenes retornando para o Ministério Público de Goiás, instituição responsável por investigar e punir os casos de corrupção. Se Demóstenes, o brasileiro, não correr para o templo de Poseidon, poderá desfrutar de um bom salário e das já prometidas férias-prêmio, embolsando, para além do bom salário, um prêmio de R$200.000,00, que será decidido por seu irmão, também membro do MP. Sai de cena mantendo-se no poder. Mas se o templo de Poseidon for o lugar para onde pretende ir, para arregimentar os gregos tucanos contra os macedônios petistas, Demóstenes, o brasileiro, poderá ter que recorrer ao veneno.
Mas, ao que parece, Demóstenes prefere ser careca. Nada de peruca, afinal de contas, se o Dicionário Informal estiver correto, ele precisa continuar a fazer o que precisa ser feito. E a seu suplente, ex-marido da atual esposa de Cachoeira, caberá responder pelos mesmos crimes. Todavia, aguardando a força da peruca que cobrirá aquilo que já está de fora.