As Lágrimas do General

José Eisenberg

 Não sou especialista em segurança pública, ainda que viva arrodeado de gente que diz que é, e não vou fingir que sei do que estou falando. Falo somente como cidadão e como cientista social. E quem estuda políticas públicas cientificamente, sabe que segurança pública no Brasil é uma atribuição designada aos estados da federação. Cabe ao poder executivo destes entes federados colocar servidores públicos à disposição dos cidadãos com o objetivo de produzir nestes a sensação de que vivem em uma localidade ondes os lugares públicos são seguros. Ruas, calçadas, estradas, passarelas, vielas, pontos de ônibus, becos, avenidas, próprios públicos e privados, de uso público, entretenimento ou trabalho; onde quer que eu esteja, no meu caso particular no estado do Rio de Janeiro, cabe ao governo deste ente federado garantir que eu me sinta tranquilo, livre de insegurança quando caminho por estes lugares.

O número de ocorrências de homicídio na Bahia durante a presente greve da PM daquele estado, a truculência carandirutesca da PM paulista em Pinheirinho e na Cracolândia não devem ser analisadas sob a luz de quais partidos ou correntes políticas comandam estas forças de segurança pública. PT aqui, PSDB acolá, tout la même chôse. O que chama a atenção nestes episódios — que já se transformam em narrativas que torceremos para que não se tornem épicas — é o modo como as forças de segurança pública interagem com seus governantes-patrões. No caso da Bahia, em particular, mas não sem a sua universalidade, curioso perceber como interagem os PM grevistas com as forças federais, interestaduais, sei lá que mais, comandadas pelo ex-segurança do ex-presidente Lula, General Gonçalves Dias.

No dia sete de fevereiro passado, assistimos a PM grevista da Bahia dar um bolo de festa para o general que ali os vigiava, sem sacanagem destas de jogar o bolo na cara do cidadão, literalmente para celebrar o aniversário de Gonçalves Dias. O oficial ficou emocionado e chorou.

Porque chorava o general? Um homem fardado no exercício do seu dever cívico não foi exatamente a cena que assistimos nos telejornais noturnos. Derreteu-se em lágrimas o general. Caiu em um pranto que estava contido, emocionava-se com a homenagem que lhe prestavam homens com quem compartilhava lealdade. Mas neste caso, eles eram grevistas e ele, o oficial Gonçalves Dias, estava lá para conter e usar de força, se necessário fosse.

Ao que parece, o outrora poeta, hoje general, Gonçalves Dias, continua romântico. O amigo do Lula sabe que lealdade de corporação militar é coisa séria, e bater em colega de armas não é coisa que se faça. É verdade que de um lado é PM e de outro Exército. É diferente. Há, entretanto, algo sobre a lealdade em corporações de gente que anda armada que extrapola a política que a tal ciência quer entender.

Quando um destes braços de corporações compostas por homens autorizados a andar armados decidiu exercer o direito civil de trabalhador, de servidor público, e do outro lado, um oficial, um general que simpatiza de maneira tão brutal com seus companheiros, sim companheiros, de corporação, o general Gonçalves Dias, o general lá na Bahia, o do Lula, não resistiu ao gesto do bolo — hierarquicamente correto, politicamente astuto e corporativamente um sucesso de vendas, a narrativa mudou de rumo. Ela não resistiu nem ao seu sentido mais pueril. O sorriso comove. E as lágrimas não estavam no roteiro.

“Em cismar — sozinho, à noite —

Mais prazer encontro eu lá.”

Leia também na Revista Pittacos : Polícia e Política (Rogerio Dultra dos Santos)

Um comentário sobre “As Lágrimas do General

  1. Íncrivel ver como um ato cortês possui poder.
    Um bolo era a última coisa que esperava ver do nosso estereótipo de policial.

    Isso demontra, claramente, que precisamos rever nossos conceitos

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