Carlos Pinkusfeld
Estádio Couto Pereira. Dia 8 de junho. Segundo tempo da final da Copa do Brasil entre Vasco da Gama e Coritiba. 11 minutos. No primeiro jogo o Vasco havia vencido por um a zero, e um empate, sem gols, bastaria para dar ao time um título nacional, 11 anos depois do Brasileiro de 2000. A bola viaja da defesa do Vasco ao ataque a esmo. Uma disputa pelo alto e ela sobra livre para Eder Luis. O Vasco havia marcado o primeiro gol aos 11 minutos do primeiro tempo; com o gol na casa do adversário, agora até uma derrota por um gol de diferença daria o título ao Vasco. Mas o Coritiba reagiu, marcou dois gols no primeiro tempo e pressionava muito no início do segundo. Eder Luis, cercado por quatro defensores do Coritiba não tem muito o que fazer com a bola. Na verdade, em momentos bem mais favoráveis, ele demonstrou imensa dificuldade em finalizar jogadas: um atacante de pouquíssimos gols marcados e muitos desperdiçados. Dessa vez, entretanto, sai um tiro em curva nem tão violento, muito menos certeiro. Caprichosamente a bola vai aninhar-se mansa, no meio do gol, graças à ajuda luxuosa do arqueiro adversário. O gol do título, um gol improvável, um desses pequenos milagres que o futebol, esporte de placares modesto, propicia.
Outros pequenos milagres se repetiriam no decorrer do ano. A vitória heróica sobre o Universitário do Peru com atuação mítica de Dedé, o gol chorado de Bernardo, literalmente, aos 45 minutos contra o Fluminense, o gol espírita de Jumar contra o Palmeiras pela Sul Americana… .
Mas, certamente, o maior milagre de todos tenha sido a ressurreição de um time que teve o pior início da história do Vasco da Gama em um campeonato carioca. Milagre ? Em parte sim; em parte não.
Um presente, não dos céus, mas da própria natureza do jogador, foi o afastamento de uma das maiores promessas não realizadas do futebol: Carlos Alberto, que fora das quatro linhas precisa de um departamento médico só para si e suas inúmeras contusões; e dentro das quatro linhas, de uma segunda bola que satisfaça seu individualismo desmesurado e improdutivo. Logo em seguida o afastamento do treinador PC Gusmão em atrito com o grande craque Felipe e, possivelmente, com boa parte do elenco. A demissão, entretanto, criou um novo problema: em meio à grave crise que o time passava, nenhum treinador de “ponta” ventilado pela diretoria parecia disposto a aceitar o desafio. Ricardo Gomes, com um bom currículo na França mas em baixa no Brasil, e com um fracasso particularmente dramático com a Seleção sub 20, topou. Talvez a união de um treinador em alguma medida ostracizado, com jogadores em busca de dias melhores, tenha criado um laço afetivo que uniu o grupo e produziu resultados palpáveis em campo. Aos trancos e barrancos o time se recuperou no campeonato carioca, e foi eliminado pelo “campeão dos pênaltis” – aquele que não venceu um clássico nas decisões – no segundo turno. A tropa de “renegados” em busca de dias melhores se unia a jovens promissores com garra e ambição. Diego Souza, depois de uma passagem mais que opaca pelo Galo faz um jogo antológico contra o Avaí e colocou o time na final da Copa Brasil. Um jogo impressionante numa carreira cheia de apagões absolutos e brilhos intensos que iria, com a precisão de um relógio, se repetir por todo segundo semestre. A promessa não realizada do outro time de Belo Horizonte, Bernardo, começa a fazer gols e jogadas empolgantes, de alto refinamento técnico, que lhe garantem o papel de melhor décimo segundo jogador do segundo semestre. Os exilados de Portugal Eder Luis e Felipe Bastos funcionam em algumas ocasiões. Veteranos, como Eduardo Costa e Fernando Prass, também. Volta de Portugal, depois de breve e conturbada passagem, o artilheiro da segunda divisão Elton, com seu mesmo estilo meio desajeitado mas de muitos gols na bagagem. O exilado do Inter, Alecsandro alterna bons e maus momentos, sendo que, felizmente, os bons ocorrem em momentos cruciais. Dos jovens, se firmam e ganham confiança: Allan, Anderson Martins e Rômulo. Este último se revela um jogador de marcação infatigável, com fôlego para dar dinâmica na saída de bola, ainda que o passe impreciso o afaste, ainda, da liga dos craques. Essa freqüenta com folgas o inacreditável Dedé, que, com a experiência começa a aliar seus impressionantes atributos físicos, velocidade, força e impulsão à perfeita colocação em campo, antecipação e tranqüilidade na saída de bola. Certamente o encontro entre o grande ex-zagueiro Ricardo Gomes, e o jovem de imenso potencial ajudou a consolidar a carreira de uma das maiores vocações do futebol brasileiro recente.
Assim, por vezes com mais dedicação que inspiração, com a colaboração de pequenos milagres e uma grande história de redenção coletiva, o Vasco volta a ganhar um título brasileiro. A recepção dos campeões, que parou a cidade, refletiu bem o quanto o jejum de títulos estava engasgado na garganta de uma das maiores e mais apaixonadas torcidas do país. E aqui faço uma interrupção para confessar um momento em que minha fé vascaína fraquejou.
Logo após a conquista do título da Copa Brasil, assustado com a conta da NET, resolvi cancelar o Pay Per View do Brasileirão 2011. Afinal, por que um time mediano e que já havia alcançado a glória nacional iria perseguir um título tão difícil e distante? A colorada do, usualmente, intolerável, call center da NET foi extremamente simpática e usou um argumento, certamente padrão, mas que calou fundo na minha alma, remexendo a mistura do meu sentimento de culpa judaica e paixão lusitana:
-Mas você vai abandonar seu time?
Não, de jeito nenhum!! Obviamente que um desconto de 50% por três meses ajudou a decisão.
Eu não abandonei o time e o time não me abandonou. Anderson Martins, jogador de empresário, este sim, abandonou a caravela. Em seu lugar veio o limitadíssimo Renato Silva, mas Dedé não abandonou Renato Silva e joga pelos dois. Outra coincidência do destino trouxe aos vascaínos mais vividos uma memória que nunca se apagou. O espectro redivivo do possivelmente maior lateral esquerdo de sua história: Mazinho. Jumar, cabeça de área limitado, deslocado para a lateral, supriu uma enorme deficiência. A história não se repetiu como farsa, mas como razoável aproximação. Finalmente, voltou o “mitológico” Juninho, do famoso gol impossível contra o River Plate. Uma das maiores injustiças do futebol, graças a Deus a nosso favor. Quem disse que o futebol, como a vida, tem que ser justo? Se bem, que eu acho, que magicamente, aquela vitória na Argentina nos causou anos de urucubaca como pagamento pela ajudinha dos Deuses da bola. Mas isso é outra história.
Juninho e Felipe são duas raridades no futebol atual, dois grandes jogadores que se completam. O segundo um talento em estado puro: o mesmo drible para a esquerda de sempre, misteriosamente, nunca parado; as jogadas mágicas, quando um passe inesperado acha um jogador que as câmeras da TV não tem a mínima idéia que existe; os chutes “colocados” da entrada da área, com o lado de dentro, de fora, do meio, enfim, de qualquer pequeno espaço que exista em seus pés abençoados.
Se Felipe é Yin, Juninho é Yang. Nenhum dote extraordinário; todos os fundamentos perfeitos. Nenhum relance de gênio; uma disciplina tática invejável por 90 minutos. Nos passes de Juninho você nunca vai se surpreender: ele achará quase sempre o jogador melhor colocado, a jogada mais correta possível, nunca a impossível. A torcida, o diretor de imagem, o narrador, todos vêm quando Juninho levanta a cabeça antes de passar. Sabem que vai fazer a coisa certa. E faz. A infinitamente mais bem sucedida carreira do Juninho sobre Felipe poderia ser uma fábula moral, uma “formiga e cigarra” do futebol. Mas futebol é lugar do improvável, da magia e o melhor é vê-los juntos se completando, ainda que a soma septuagenária de idades limite o prazo de validade do deleite dos vascaínos e dos amantes da bola: aos dez, no máximo quinze, minutos do segundo tempo os dois viram abóbora.
O último ingrediente dessa mistura improvável foi a própria doença de Ricardo Gomes, que, ao invés de enfraquecer, acabou criando uma força de união no grupo que ajudou a embalar o time por um campeonato nivelado, sem nenhum time espetacular, onde estrelas – literalmente por brilharem à noite – deixaram muitas vezes seus times na mão na claridade dos jogos vespertinos. O grande candidato ao título somou alguma regularidade a uma gordura acumulada no início da competição, quando outros times, inclusive o Vasco, ainda pelejavam em outras frentes. Chega por isso com vantagem em todas as previsões de matemáticos e casas de aposta à rodada final.
Mas, alguém descartaria um grupo tão bafejado pelo improvável? Com uma história de redenção e superação impressionantes? Com uma mistura de jogadores que tem no máximo 60 minutos de bola por jogo, e outros com 180, por jogarem por mais de um? Alguém descarta um time que deu ao Corinthians o título mais curto de sua história (contados 3 minutos)? Eu não. Estarei lá, torcendo para que as confluências imprevisíveis dos deuses zombeteiros da bola operem mais um milagre. Dessa vez dos grandes. Diego Souza entrar em campo… e jogar. Elton não perder gols. Rômulo, além de marcar magistralmente, acertar todos os passes. Jumar ser por um dia Mazinho. Dedé ser por mais um dia Dedé… . As sábias palavras da operadora de telemarketing gaúcha estão mais vivas do que nunca:
-Você vai abandonar seu time ?
Eu não !
Viva o Vasco, seremos campeões.
Primeiro um justo elogia, uma primorosa síntese. Mas podia prever o final, com raras exceções o Vasco tem perdido todas as oportunidades, por fenômenos parecidos com os apontados em seu favor no texto: acasos inexplicáveis e inesperáveis. Como as perdas sucessivas da partida final, com Flamengo e Fluminense. Acontecem coisas insanas. O gol do Pet no final, os pênaltis perdidos, as falhas de Fagner e Prass sucessivas…..
Nesse mesmo campeonato brasileiro o Vasco fez partidas irreconhecíveis, como aquela contra o Atlético Mineiro, último colocado. O time tem vez que “não entra em campo”.
Tem alguns problemas no momento que me deixam irritado, porque são erros que se repetem, mas podiam ser corrigidos com muito treinamento e dedicação. Os mesmo erros! Prass solta todas e para o meio da área. Fagner, pequenote, perde dentro da área na cabeça e faz falta. Eder Luiz faz jogada de velocidade e depois passa mal, Rodolfo perde todas divididas e por alto. Diego Souza, um gênio temporão. Alecsandro não acerta a linha da bola (não sei explicar como tem feito gols, uma esperança, quem sabe, as coisas mudam).
O mais grave é que o Vasco não corre e não joga em bloco. O segredo tem sido o bando do meio de campo, que joga duro e são muitos. Os jogadores não sabem se colocar para receber um passe, não se poem na linha da bola, esse o grande segredo do Barcelona. Esse, quando perde a bola se transforma, correm todos para cima de quem a tem até recuperá-la, de qualquer jeito, na bola ou na força. Quando a pega volta à troca de passes.
Bom, chega por hoje, mas enfrentar mais uma vez o time parceiro da Globo e preferido pelos juizes cariocas,dificilmente marcam um pênalti em condições duvidosas contra o Flamengo. Vão dizer que é preconceito, mas a possibilidade de um juiz, oriundo do subúrbio carioca, em ascensão, ser torcedor ou simpatizante do clube da gávea é muito forte.O tema Flamengo fica para outra oportunidade. Salve o Vasco, de maior tradição no futebol carioca.
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