Presente Sadio por um Futuro Incerto

Diogo Tourino de Sousa

No último dia 12 de outubro, feriado de Nossa Senhora Aparecida, alguns milhares de brasileiros saíram às ruas para protestar contra o que outros milhares julgam ser o grande mal da política brasileira: a corrupção. Mais do que uma simples manifestação popular, o movimento se valeu, fato alardeado pela grande impressa, de um novo instrumento de organização, a saber, a internet e suas “virtuosas” redes sociais.

Já na Primavera Árabe, onda revolucionária que tomou o Oriente Médio desde o final do ano passado, tendo como ponto de partida a Tunísia e o Egito, e posteriormente atacando talvez alguns dos últimos governos autoritários do planeta, a internet figurou como forma privilegiada de organização das manifestações. Livre de qualquer juízo sobre a intencionalidade dos atores e suas possíveis motivações religiosas ou fundamentalistas, o fato é que a despeito da forte repressão que se abateu sobre os manifestantes o Ocidente assistiu multidões tomarem praças e monumentos, dia após dia, até que suas reivindicações fossem atendidas.

Isso sem mencionar momentos mais dramáticos de sucessão ou transformação radical no poder, evitando eufemismos, como foi o recente caso da Líbia que culminou com a execução, após meses de conflito, do ditador Muamar Kadafi. Em todos eles as agora bem vindas redes sociais foram saudadas como mecanismos autônomos de organização popular, ensejando ações coletivas independentemente de formas tradicionais de representação de interesses ou, no exemplo da Primavera Árabe, superando forte censura dos meios de comunicação e repressão armada às manifestações.

Sem dúvida, a internet personifica uma força incontrolável, tal como na profética descrição do Manifesto Comunista, que quando “evocada das profundezes” não pode mais ser controlada por quem a evocou. Associada progressivamente a novos mecanismos de comunicação, responsáveis pela interligação de mídias portáteis, a rede habita ambientes de conexão sem fio e telefones móveis, equipados com câmeras fotográficas capazes de registrar sons e imagens que em poucos segundos transbordam geografias e agregam públicos nunca antes imaginados. Uma nova espécie de ativismo, reduzida, muitas vezes, a um clique no mouse, mas capaz de produzir algo em geral negligenciado nas discussões sobre a democracia representativa: a opinião pública.

Por essas e por outras, o movimento do último dia 12 de outubro, nomeado “Marcha contra a corrupção”, manifesta sinais positivos de uma sociedade civil que parece começar a aprender como “andar com as próprias pernas”. Isso porque, é quase consenso que entre nós o padrão de conquistas da cidadania no Brasil se deu, na maior parte da história, por meio da tutela estatal. Mesmo Lula teria caminhado nessa direção, sendo capaz de falar por todos, sem que todos falassem por si. Como se no país a sociedade civil, notadamente sua parcela amiúde excluída dos centros decisórios, tivesse que aguardar a chegada ao poder de um líder benevolente e capaz de atuar como catalisador de demandas e interesses. Sem isso, nada de bom aconteceria.

Lula teria dado “voz”, mas não “vez”. Mesmo porque seu governo reeditou formas clássicas de incorporação dos interesses, impedindo que o mundo se organizasse a partir de baixo. Algo que permitiu, inclusive, a comparação do seu governo ao modelo varguista, efetuada por determinados setores da opinião.

Hoje, entretanto, o cenário parece ser outro. Municiada por novos instrumentos, como a já mencionada internet, e contando, porque não, com uma postura diferente do governo – Dilma parece não dar “voz” e cobrar, com isso, que os movimentos sociais tenham “vez” caso queiram conquistar algo –, a sociedade civil tem dado sinais positivos estruturação, tonando-se mais robusta na defesa autônoma dos seus interesses. O que, no entanto, ainda falta?

Creio que a grande ausência ainda seja o elemento da política, no seu sentido amplo, como diria Gramsci, e a “Marcha contra a corrupção” serve bem de exemplo. Se como dado positivo ela atesta a crescente capacidade de organização “de baixo”, seu lado negativo repousa na aversão, enaltecida, inclusive, aos partidos, aos políticos, no limite, à política. Num feriado que, para a tristeza de muitos, entrecortou a semana, impedindo que trabalhadores, estudantes e cidadãos, consumidos no cotidiano por interesses privados, viajassem para descansar, parece que “restou” a “virtuosa” opção da manifestação de praça pública. Será?

Pode parecer elitismo da minha parte, ou republicanismo em excesso, mas desconfio da virtude daqueles milhares de manifestantes que fizeram questão, lado a lado com a imprensa nacional, de vaiar bandeiras de partidos políticos que inadvertidamente foram erguidas ao longo dos protestos. Creio que diriam, se questionados, que o combate à corrupção é uma reivindicação infensa ao aparelhamento partidário. Entretanto, a mensagem implícita talvez circunscreva esse “grande mal” ao exercício da política, em sentido restrito, que é materializado na atividade parlamentar, partidária, ou política, tal como a opinião pública reconhece.

A pergunta é, a meu ver, inevitável: é a corrupção uma prática perversa exclusiva do mundo da política? Claro que não. Aliás, quando questionados, eles, os manifestantes do feriado, sobre a conduta privada de suas vidas, envolvendo questões de fundo moral como a compra de produtos piratas, o favorecimento em repartições públicas, ou furar filas em bancos, por exemplo, parece que todos operam na (in)versão da máxima mandevilliana: vícios privados, virtudes públicas. Ou seja, não admitem vícios públicos, bem como não fazem questão de virtudes privadas.

Isso sem mencionar, trivialidade talvez, que além de uma sociedade capaz de se corromper, outras esferas do mundo público também podem incorrer nesse “mal” tão combatido. Ou, afinal, juízes, policiais, desembargadores, padres e outros personagens alheios ao mundo da política, no seu sentido restrito, não podem igualmente se corromper? A resposta é óbvia e tem, infelizmente, lastro empírico.

É importante enfatizar que considero o combate à corrupção peça fundamental no bom funcionamento das instituições democráticas. Não acho que ele implique necessariamente posturas moralistas, igualmente rejeitadas quando o assunto é política. Ainda assim, é temerário um movimento que vaia partidos, um movimento que abdica do discurso da política na construção de projetos. Mesmo porque, posso ser de esquerda e a favor da corrupção, como de direita e contra ela; assim como posso ser corrupto e partidário da redução das desigualdades sociais, via a ampliação do acesso ao ensino superior gratuito, por exemplo, bem como contra a corrupção e defensor da manutenção da estrutura hierárquica presente na sociedade brasileira.

Em outras palavras, combater a corrupção é necessário, mas movimentos que alijam do processo a política, seus direcionamentos e bandeiras, correm o risco de lutar por um presente saudável sem, contudo, serem capazes de propor um futuro promissor.

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